29 de janeiro de 2010

"Eu vejo um novo começo de era"




2010. Estamos fechando a primeira década do milênio. E para a biologia molecular, este começo foi muito bom: cada vez mais aumenta o número de variáveis avaliadas por experimento. Genomas e mais genomas inteiros são seqüenciados, experimentos com milhares de genes e proteínas são feitos. Ao invés de olhar para cada gene separadamente, agora, podemos ver como todos os genes de um organismo se comportam ao mesmo tempo. Estamos na era das ômicas.

A ciência sempre estudou as partes como meio de entender o todo. Mas nem sempre as partes se encaixam ou podem ser corretamente interpretadas quando isoladas. Quando olhamos para o todo, temos a perspectiva correta para colocar todas as peças no lugar e entender todas as conexões da complexa e dinâmica rede de moléculas que regem uma célula.

Mas para olhar para o todo e, de fato, enxergar tudo, ainda é preciso desenvolver meios melhores de manejar e, principalmente, integrar dados heterogêneos derivados do genoma, do transcriptoma, do proteoma, do metaboloma...

Parece um quebra-cabeça infinito!

Enquanto ainda estamos aprendendo a lidar com tanta informação, estão surgindo novas técnicas de sequenciamento de DNA que prometem impulsionar ainda mais este salto, das partes para o todo. Por 30 anos, o método de sequenciamento de DNA de Sanger é usado por toda a comunidade científica. Desde a sua publicação, em 1977, este método foi otimizado e automatizado ao ponto de permitir o sequenciamento de todo o genoma humano, concluído em 2003.

No entanto, em relação ao custo e principalmente a velocidade de produção de sequências, a “próxima geração de sequenciamento” deixa o método Sanger no chinelo. Para se ter uma idéia, em uma única corrida em um destes novos equipamentos, é possível produzir uma quantidade de sequências para a qual seriam necessárias 50 corridas em um equipamento pelo método de Sanger. Um pequeno genoma bacteriano poderia ser seqüenciado em uma única corrida. É um salto tecnológico sem precedentes!

É claro que nem tudo são flores, a maioria destas tecnologias produz sequências tão curtas quanto 20pb, mas outras já chegam a 400pb e, possivelmente, este número ainda deve aumentar. O maior desafio tem sido gerar ferramentas de bionformática para lidar com estes dados, mas esta corrida também já foi lançada.

Estas técnicas já estão sendo aplicadas a diferentes questões, em estudos metagenômicos, no sequenciamento de genomas e transcritptomas, como meio de inferir os níveis de expressão gênica em organismos sem qualquer sequência conhecida e mesmo para estudar o acúmulo de mutações em escala genômica ao longo das gerações de uma linhagem bacteriana. Novamente: é um salto tecnológico sem precedentes!

Para quem se interessar, recomendo a leitura destes dois artigos:


Stephan C Schuster. Next-generation sequencing transforms today's biology. Nature methods 5: 16-18 (2008). 

21 de janeiro de 2010

PCR: uma boa idéia!


A PCR (reação em cadeia da polimerase) sem dúvida foi uma invenção que revolucionou a biologia molecular ao permitir a síntese de DNA in vitro. Através desta técnica, é possível produzir bilhões de cópias de um segmento de DNA específico, a partir de uma única molécula! Pelo menos, em um mundo perfeito. Mais de duas décadas depois da sua invenção, já são muitas as variações e aplicações da PCR como no diagnóstico de doenças, na contagem de carga viral, na detecção de patógenos, em exames forenses e  como ferramenta em uma quase infinita lista de abordagens de pesquisa.

Kary B. Mullis foi o cara que inventou o PCR e por isso ganhou o prêmio nobel de química de 1993. Na época, ele trabalhava em uma empresa a quem vendeu sua idéia pela quantia irrisória de 10 mil dólares. A empresa vendeu a patente por 300 bilhões de dólares! Ou seja, Kary se deu mal, mas ganhou seu 1 milhão de dólares do prêmio Nobel e, hoje, ainda ganha muito dinheiro vendendo livros e dando palestras por aí.

Na verdade, há quem diga que Mullis somente incrementou o processo já descrito por H. Gobind Khorana e Kjell Kleppe, 17 anos antes, quando  conseguiram duplicar e, em seguida, quadruplicar uma pequena molécula de DNA sintético usando um par de primers e uma DNA polimerase. De qualquer forma, foi um "incremento" que fez toda diferença: usar a ciclagem de temperaturas e uma DNA polimerase resistente ao calor, uma vez que a cada ciclo é preciso aquecer o DNA a 94ºC para separar a dupla fita, o que tornava necessário adicionar mais DNA polimerase a cada ciclo.

Eis uma citação de Millis sobre como ele teve a idéia da PCR:

Sometimes a good idea comes to you when you are not looking for it. Through an improbable combination of coincidences, naiveté and lucky mistakes, such a revelation came to me one Friday night in April, 1983, as I gripped the steering wheel of my car and snaked along a moonlit mountain road into northern California’s redwood country. That was how I stumbled across a process that could make unlimited numbers of copies of genes, a process now known as the polymerase chain reaction (PCR).”

Kary B. Mullis, Scientific American (1990) 262:36.

Eu não acredito em sorte, mas em mentes preparadas para enxergar uma nova idéia...alguns podem chamar de inspiração, mas acho que é um conjunto de fatores, não apenas conhecimento e inteligência, mas maturidade, desprendimento e persistência. É ter em mãos um punhado de coisas aparentemente inúteis e enxergar algo grande que se pode fazer com elas. E depois todos dizem, “como eu não tive esta idéia antes?”. As melhores idéias, quando expostas parecem muito simples, tão simples que ninguém nunca pensou antes! Para mim, a sofisticação está na simplicidade. Em diversos contextos. E por mais estranho que pareça, nem sempre é fácil encontrar a solução mais simples. Mas pode parecer mais inspirador ouvir que estas idéias surgem assim, como uma lâmpada que acende de repente por pura "sorte", como a "revelação" descrita por Mullis.

Anyway, obrigada Mullis! O que seria de nós sem o PCR....