15 de dezembro de 2009

Diário de uma mestranda: Perspectivas 2010


Entrando no clima de final de ano, pensei em fazer uma retrospectiva 2009 acadêmico-científica. Mas pensando bem, muita coisa seria repetição do que já escrevi aqui, outras seriam repetição de coisas sobre as quais já tenho exaustivamente pensado para desenvolver e escrever minha dissertação. Embora, academicamente, o meu ano não esteja terminando, acho que o momento é de olhar para frente e não para trás. Por isso, faço uma perspectiva 2010! Acho que a incapacidade de enxergar e entender as consequências é uma das principais coisas que nos levam a errar, em qualquer área: na ciência, na política, na vida. Por isso, é sempre bom nos planejarmos, pensarmos no depois, nas consequências. É claro que o dia primeiro de janeiro é apenas o dia seguinte do dia 31 de dezembro. Não há mágica nisso. O mundo e as pessoas continuarão sendo as mesmas. Mas não contamos o tempo á toa, aproveitemos, então, a virada de mais um ciclo para virar também velhas páginas e abrir novas...

Eu vou começar o ano fechando um ciclo de dois anos, o mestrado, e começando (assim espero) um outro ciclo, o doutorado. Entre janeiro e março, tenho que terminar de escrever minha dissertação, apresentar a prévia e a temida defesa, além de me preparar para a seleção de doutorado. Além de ser um momento tenso por si só, também é um momento que me faz pensar nas minhas escolhas. Seguir um doutorado é uma escolha importante, um compromisso de quatro anos e, em grande parte, um tiro no escuro. O que fazer depois do doutorado? Quais as possibilidades de emprego? Eu quero mesmo chegar aos 30 anos de idade como bolsista, sem 13º salário, sem assinaturas na carteira, ainda uma estudante, sem garantias de emprego, trabalhando horas extra sem receber nada a mais por isso? É claro que não era isso que eu sonhava estar fazendo aos 30 anos. Mas é o único caminho para quem quer ser cientista no Brasil. E como eu não me vejo fazendo outra coisa, é o caminho que eu vou seguir. 

A situação já foi muito pior, com bolsas menores e em menor número. Mas ainda assim, considerando-se que grande parte da pesquisa no Brasil acontece em instituições de ensino públicas, os pós-graduandos e pesquisadores brasileiros são ainda muito desvalorizados. E apesar das perspectivas não serem animadoras, sigo a minha intuição de continuar fazendo aquilo que gosto.

Apesar de tudo isso, ou melhor, devido a toda esta escassez de recursos, a concorrência para ingressar na pós graduação das melhores (e poucas) universidades é grande! Então, o ano já vai começar nesse clima, mais uma vez tendo que vencer a corrida para continuar nesse longo caminho...E depois será voltar ao trabalho no projeto de doutorado e projetos paralelos, começar a pensar e escrever o artigo do mestrado...pois depois de tudo isso a única coisa que contará para conseguir bolsas de pós doc, um emprego e mesmo verbas para pesquisa é o "número de artigos publicados"! Um índice nada cientifico para indicar quem é "melhor" que quem pelas agências de fomento e universidades.

Uma das coisas que eu pretendo correr atrás durante o meu doutorado é expandir meus horizontes na biologia. Isso mesmo. Não quero terminar o doutorado sabendo muito de quase nada. Uma tendência de quem faz doutorado. Aliás, uma tendência dos cursos de doutorado que, em geral, não oferecem oportunidades de expansão mas, sempre de especialização em uma área particular de conhecimento. E pretendo começar a fugir disso pelo blog, começando a escrever cada vez mais sobre coisas não relacionadas ao que eu faço no laboratório. Quem sabe,  nascerá um novo blog com um perfil diferente deste! (Pois a verdade, é que eu também gosto muito de discutir detalhes mínimos de biologia molecular que só interessam a outros biológos moleculares, assim, também gostaria de manter este blog como ele é atualmente)

Bom, mas para eu conseguir concluir minhas metas até março, vou ter que deixar o RNAse Free um pouco de lado, por enquanto...se eu resistir a escrever aqui de vez em quando. Embora os textos nunca fiquem como eu gostaria, escrever aqui é um exercício que eu gosto de fazer mas que toma alguma parte do meu tempo. Tempo que preciso gerenciar melhor nos próximos 3 meses.


Aos meus 3,5 leitores:
Boas festas! Um 2010 de sucesso, com muitas bolsas e verbas concedidas!
E podem continuar deixando comentários ou enviando e-mails.

9 de dezembro de 2009

Por que leveduras cometem suicídio?


ResearchBlogging.org
Em organismos multicelulares, é comum a ocorrência do "suicídio celular", mais formalmente  conhecido como "morte celular programada" ou "apoptose". Trata-se de um processo controlado, um mecanismo que quando ativado, leva a célula a auto-destruição. Pode parecer loucura que nossas células cometam suicídio, mas são vários os contextos nos quais este "sacríficio" é necessário para o benefício do organismo como um todo. Através da apotose, células danificadas, velhas ou apenas que se tornaram desnecessárias são eliminadas do organismo. Por exemplo, as células do epitélio da pele estão sempre se renovando. Há uma camada basal de células que estão sempre se dividindo e dando origem a células novas para renovar o tecido e, em contrapartida, as células velhas, que estão no topo, entram em apoptose, ou seja, ativam o mecanismo de morte celular programada e...morrem. Assim, embora novas células estejam sempre sendo produzidas, o número total de células no tecido permanece constante.  Em equilíbrio. Outro exemplo muito bonito da dedicação das nossas células para com o bem estar do organismo como um todo é a apotose induzida pelos linfócitos T citotóxicos, um dos tipos celulares sanguíneos que cuidam da defesa do organismo. Quando ele encontra uma célula infectada por um vírus, ele faz com que ela se mate, impedindo que o vírus se reproduza e infecte outras células. A apoptose tem sido muito bem estudada e são muitos os outros contextos em que ela ocorre. Todos "justificados", as mortes não são em vão! 


Antes de eu trabalhar com moluscos, eu trabalhei com leveduras, fungos unicelulares que além de serem usados como fermento são muito estudados como um modelo "mínimo" de célula eucariótica. Um dia eu me deparei com um artigo que dizia que leveduras entram em apotose e não entendi nada, pois neste caso, o organismo é uma única célula. Quais razões justificariam um indvíduo cometer suicídio? Esta pergunta ficou na minha cabeça e tempos e tempos depois achei totalmente por acaso uma revisão que discutia as possíveis razões para a apoptose em leveduras e as implicações evolutivas que fazem com que  elas tenham uma boa razão pela qual morrer! 

 Morte em tempos de amor


Leveduras expostas a ferormônios (substâncias químicas que permitem que uma levedura reconheça outra para a reprodução sexuada) mas que não tenham achado um "parceiro" entram em apoptose. Isso sugere que a morte celular, neste caso, seja utilizada para eliminar células inférteis ou danificadas. Não reproduziu, "dançou". Isso que é seleção natural!

Morte em tempos de paz


Leveduras assim como muitos outros microrganismos podem formar comunidades chamadas "biofilmes". Por exemplo, um único esporo pode cair sobre uma fruta. Após muitas e muitas divisões celulares, todas as células  ali presentes terão se originado de uma mesma célula inicial e, portanto, constituem um mesmo "clone" que coloniza a fruta. Quando a quantidade de nutrientes começa a acabar (a fruta está chegando ao fim), as células mais velhas ou que já estão danificadas entram em apoptose para assim poupar nutrientes para as células mais jovens e que têm mais chances de sobreviver! Nesse caso, o "clone" é o que importa. E vale tudo, inclusive a morte de alguns indivíduos, para que ele continue a se propagar. Este "comportamento" está de acordo com a definição clássica de altruísmo: aumenta o fitness do grupo e diminui o do invidíduo altruísta.


Morte em tempos de guerra


Sim, as leveduras podem ser altruístas...mas também podem ser assassinas! Muitas leveduras carregam vírus que produzem toxinas para as quais são imunes. Assim, quando uma determinada linhagem "assassina" está colonizando uma fruta e uma mosca pousa na mesma trazendo células de uma linhagem diferente que não carrega consigo este vírus, a linhagem assassina irá liberar toxinas e, assim, eliminar a linhagem concorrente! Baixas doses destas toxinas induzem apoptose nas células de levedura suscetíveis...levando-as a morte.


Referência:

Buttner, S., Eisenberg, T., Herker, E., Carmona-Gutierrez, D., Kroemer, G., & Madeo, F. (2006). Why yeast cells can undergo apoptosis: death in times of peace, love, and war The Journal of Cell Biology, 175 (4), 521-525 DOI: 10.1083/jcb.200608098