23 de outubro de 2009

"Genes órfãos": os mestres no jogo da evolução




Mangue (Estuário)


ResearchBlogging.org A diversidade biológica é algo impressionante. A quantidade de espécies explorando os mais variados ambientes é imensa. Alguns organismos vivem no fundo do oceano, a milhares de metros de profundidade, na ausência de luz, com poucos nutrientes disponíveis e suportando pressões elevadíssimas. Outros se especializaram em viver dentro de um outro organismo, como as milhares de bactérias que habitam nosso corpo, algumas causando doenças, mas a maioria mantendo conosco uma relação amigável. Outros exemplos incluem espécies que vivem em ambientes de transição entre um rio e o mar, chamados estuários. Ao contrário dos ambientes citados anteriormente, que são extremos, o estuário é um ambiente no qual é difícil de se viver por um motivo diferente: está sempre mudando, pois está sobre a influência das marés. Quando a maré sobe, há uma maior quantidade de água salgada e menor de água doce, proveniente do rio e quando baixa, esse quadro se inverte. Assim,  a quantidade de sal na água varia com a maré,  aumenta e baixa, mas nunca chega ser totalmente doce ou salgada, é algo intermediário, salobra. Além disso, também em função da maré, as margens  ora estão expostas ao ar, ora, alagadas. Mas mesmo sendo um ambiente tão instável nele encontramos plantas, peixes, crustáceos, minhas queridas ostras e ainda muitos outros organismos que de alguma forma lidam com estas variações e ali vivem muito bem.

Diante de toda esta diversidade biológica, de qual citei apenas alguns exemplos, e de adaptações necessárias para ocupar ambientes tão diferentes era de se esperar que as sequências de DNA fossem igualmente diversas. Mas não são. E esse é um dos grandes paradoxos da biologia atual. Espécies completamente diferentes têm muito mais em comum do que se esperava. E muito se tem discutido sobre as origens genéticas da diversidade biológica. No primeiro post que escrevi sobre isso, discuti como os mecanismos de controle de expressão gênica poderiam colaborar com a geração desta diversidade.

No entanto, ironicamente, os biólogos moleculares têm dado muita atenção ao que os organismos têm em comum e pouca ou nenhuma ao que têm de diferente. Como disse no último post, muitos genomas foram ou estão sendo sequenciados. Até então, todos eles apresentam uma proporção de genes (algo em torno de 10-20%) que não se assemelham a nenhum outro gene já descrito, são os chamados "genes órfãos". Pouco se discute sobre o papel destes genes na biologia destes organismos e sobre as suas implicações evolutivas.

Um artigo muito interessante, cuja indicação peguei em um outro blog, discute a questão destes genes que são órfãos apenas da atenção dos biológos moleculares. O artigo discute alguns pontos sobre estes "genes taxonomicamente restritos" (TRGs - Taxonomically Restricted Genes), uma nomeclatura mais cuidadosa que considera a sua distribuição restrita a um táxon. O artigo discute que alguns genes seriam de fato espécie-específicos, enquanto outros estariam presentes também em outras espécies de um mesmo grupo taxonômico, mas tal homologia não teria sido ainda identificada, uma vez que a maioria das espécies não teve ainda seu genoma sequenciado.

Os TRGs estariam relacionados com as "novidades evolutivas" de cada espécie ou grupo, que são algumas das características que os taxonomistas usam para diferenciar uma espécie da outra. Diante de mudanças no ambiente, estes genes podem ter sido críticos, ao conferir alguma vantagem para o organismo explorar aquele novo ambiente e estariam relacionados com adaptações espécie-específicas. Como exemplo são citados alguns TRGs  que já foram associados com os nematocistos, estruturas exclusivas dos cnidários e de grande importância na captura de presas e como mecanismo de defesa.

Portanto, os TRGs junto com os diferentes mecanismos de controle da expressão gênica podem ser a força motora que ao longo da evolução gerou a diversidade biológica que tanto nos impressiona. O grande elefante branco é sabermos quais as funções destes genes, que proteínas eles codificam e a que adaptações estão relacionados. Acredito que muitos deles devem  estar diretamente ligados a forma como os organismos se relacionam e respondem a mudanças no ambiente, processos como  quimiorecepção, processos imunológicos e respostas a condições de estresse.

Por ora, eu só gostaria de saber quais são as funções dos 50% de "genes órfãos" que tenho encontrado nas espécies que estudo, uma das quais habita um ambiente estuarino e que portanto pode ter adaptações interessantes até então ignoradas. Mas que no que depender de mim, estes "genes órfãos" serão "adotados" :)

Leia também: O Jogo da Evolução.

Referência (vale a pena ler!)

Khalturin K, Hemmrich G, Fraune S, Augustin R, & Bosch TC (2009). More than just orphans: are taxonomically-restricted genes important in evolution? Trends in genetics : TIG, 25 (9), 404-13 PMID: 19716618


Um comentário:

Eliane, a Lia disse...

vamos criar uma ONG (pq ta na moda criar ONG) para agilizar a procurar por pais (ou cientistas) para estes pobres genes órfãos...