29 de março de 2009

Clonagem: um caso de amor e odio

Ok. Depois de respirar fundo, resolvi escrever aqui sobre clonagem molecular (de genes), algo com o que estou trabalhando no momento. Apesar de o principal objetivo deste blog ser eu discutir técnicas que utilizo no meu mestrado, eu tenho fugido um pouco do assunto, ou só falo das técnicas que vou usar futuramente, pois a verdade é que me estressa um bocado escrever sobre problemas AINDA não resolvidos! Ainda mais clonagem, com quem tenho uma longa história de amor e ódio e que me persegue (ou eu a persigo) desde que comecei a trabalhar com pesquisa, na minha primeira iniciação científica, há...6 anos!!! (nossa! não tinha me tocado que fazia tanto tempo!)


Mas isso é assunto para mais de um post. Então, vou começar com um post mais básico sobre o assunto, para então chegar onde quero (nas questões que me tiram o sono hehehe) A primeira vista, a clonagem molecular é um processo bem simples. Um simples corta e cola, como resumido no esquema abaixo que mostra a clonagem de um gene (GFP) em um vetor plasmidial. E é realmente só isso: a inserção de um fragmento de DNA (inserto) em um vetor, outro fragmento de DNA, porém com capacidade de se replicar no interior de uma célula hospedeira e assim produzir muitas cópias de si mesmo e por tabela do fragmento nele clonado. O vetor pode ser um plasmídio, um fago ou ainda um BAC (cromossomo bacteriano artifical) ou YAC (Cromossomo artificial de levedura), estes dois últimos para clonagem de fragmentos muito grandes.



>>> Mas por que clonar? <<<


Por milhares de motivos!
- Para isolar e sequenciar um gene particular
- Para expressão da proteína em um sistema biológico (bactérias, leveduras ou mesmo células de mamíferos) clonando-se o gene em um vetor de expressão adequado. Com isso, pode-se obter quantidades suficientes de proteína para estudos estruturais, bioquímicos ou o que mais interessar. Ou realizar estudos funcionais, expressando a proteína nas células de interesse de forma controlada, em um determinado contexto.

- Para fazer construções diversas, como por exemplo, conjugar uma proteína à GFP para estudos de localização celular da mesma ou ainda construir proteínas mutantes.
- Para sequenciamento do genoma de organismos, através da construção de bibliotecas genômicas.
- Para caracterização do transcriptoma de um organismo, através da construção de bibliotecas de cDNA (DNA complementar ao RNA, sintetizado por retrotranscrição).
- E mais 995 motivos que não me lembro agora...
Portanto, uma vez que se tenha um gene clonado, isolado em um vetor, pode-se brincar com ele de diversas formas. Como se conhece as sequências que o flanqueiam no vetor, é possível sequenciá-lo facilmente utilizando os primers adequados. No próximo post, começarei a discutir por que a simples ligação de dois fragmentos de DNA pode não ser tão simples assim....ciao!

25 de março de 2009

Blog em crise e o caso "Ruth de Aquino"


Está difícil escolher sobre o que escrever no próximo post, não por falta de idéias, mas por excesso! Nas últimas semanas, baixei váááários artigos interessantes sobre assuntos que gostaria de discutir aqui. A maioria...mentira, todos são sobre genética molecular: controle espacial da expressão gênica, redundância genética, long non coding RNAs, transferência lateral de genes, além de alguns papers sobre o uso de técnicas moleculares na ecologia e na ecotoxicologia e também algumas questões mais metodológicas sobre clonagem e outras coisas que tenho feito...afe, eu realmente gosto de genética! Hoje estou mais certa disso do que quando eu fazia o bacharelado de genética hehehe

Bom, mas eu queria comentar sobre uma reportagem publicada na revista época de autoria da Sra. Ruth de Aquino, redatora chefe da revista em questão: “O besteirol na ciência é melhor que no senado - Ler sobre pesquisas científicas de universidades respeitadas é uma receita certa para dar risada.” Eu não leio esta revista, mas infelizmente muita gente a lê. Fiquei sabendo sobre a reportagem nos blogs discutindo ecologia e brontossauros em meu jardim. A autora tenta ridicularizar a ciência através de argumentos fracos e resumindo-a a meia dúzia de estudos de meia tigela que infelizmente existem por aí. O problema é que muita gente lê esta bendita revista e nem todos os leitores são críticos o suficiente para perceber as falácias na reportagem. Mas isso tudo me faz pensar em como ainda há uma grande carência de divulgação científica digna no Brasil, de meios que discutam e levem a ciência até a sociedade, até as pessoas que não são cientistas e que não estão na universidade, mas que financiam o que é feito dentro dela. A ciência não é apenas para os cientistas e produz conhecimento que é do interesse de todos. Acho que é obrigação de quem está numa universidade pública e fazendo ciência com verbas públicas dar este retorno a sociedade. E tendo como exemplo a reportagem citada, a primeira lição que eu acho que a ciência tem a ensinar as pessoas em geral é a serem críticos. Quando se lê ou assiste qualquer coisa, antes de tomá-las como verdade, temos que ser críticos e questionar os argumentos mostrados (quando existem!). Pensar e questionar antes de se deixar convencer. Não é por que está na revista época, ou na revista X ou na TV que são sempre informações corretas. Em relação à ciência, então, é onde mais se fazem interpretações grosseiramente erradas...

Eu tenho visto muitos blogs de divulgação científica legais. Embora a internet não alcance a todos é uma boa ferramenta, considerando que atualmente somos mais de 20 milhões de brasileiros conectados. Mas este blog não é um blog de divulgação científica, pois não escrevo para um público leigo. Na verdade, sinceramente, eu não penso muito em quem vai lê-lo, pois eu sei que praticamente só 3.45 pessoas o lêem (e de vez em quando) hehehe. Além do que, a idéia inicial era fazer um blog para discutir protocolos, como "sugestão" do meu querido orientador Mauro. Mas é um bom exercício. E gostei desta coisa de blog! hehe mas diante disso tudo pensei em de repente tentar fazer um blog de divulgação científica de verdade, para “não cientistas”. Não seria muito, não alcançaria muita gente, mas já seria alguma coisa...além de um desafio para mim, escrever sobre ciência em uma linguagem compreensível para as pessoas em geral. A primeira parcela do meu débito com a sociedade. Vamos ver se eu dou conta! Enquanto isso, continuarei escrevendo “para as paredes” aqui sobre assuntos que interessam a mim e meia dúzia de pessoas no mundo todo...hehehe

16 de março de 2009

Cell: novo volume dedicado somente a RNA!

Este blog vai virar oficialmente um culto ao RNA! Isso por que acaba de sair um volume especial da revista Cell (minha outra revista preferida!) todinho dedicado ao dito cujo. E ainda por cima com acesso free! Eu ja até tinha consultado uns dois artigos deste volume para os ultimos posts mas nao tinha me dado conta de que se tratava de um volume especial. E tem varias coisas interessantes, inclusive sobre small RNAs e sobre....Long noncoding RNAs! Estes, eu desconhecia a existencia! (por exceçao dos RNA ribossomais e transportadores). Enfim, muito pano para manga...muitas coisas que eu acho interessante e que provavelmente vou acabar escrevendo sobre aqui! Isso se eu puder voltar a usar meu computador... :-***(

14 de março de 2009

Sem medo da biologia molecular

As técnicas de biologia molecular envolvendo manipulação de ácidos nucléicos começaram a surgir principalmente depois que a estrutura do DNA e o pareamento de bases foram elucidados em 1953 por Watson e Crick. Este simples artigo de duas páginas simplesmente abriu as portas para um mundo de novas possibilidades na biologia. Apenas 55 anos depois, a quantidade de abordagens moleculares disponível é enorme e só faz crescer. Genomas inteiros foram e estão sendo seqüenciados. É possível modificar geneticamente organismos, inclusive mamíferos. É possível quantificar a expressão de um, 100 ou 10 mil genes em um único experimento. É possível utilizar microrganismos para produzir em grande escala proteínas de outras espécies, como é feito com a insulina humana em bactérias Escherichia coli. Estes são apenas alguns exemplos destes avanços, mas já representam muita coisa: a quantidade de informação que se pode acessar com estas abordagens é imensa e um dos principais desafios tem sido justamente lidar com tanta informação.

Portanto, a biologia molecular só tem a acrescentar às técnicas já existentes. Com ela, é possível entender os processos biológicos mais intrinsecamente. É possível olhar para o nível mais básico, mas não menos importante de um organismo: o nível genético. As mais diversas áreas das ciências biológicas podem lançar mão da biologia molecular. No entanto, em algumas áreas acredito que ainda há alguma ou muita resistência. Por exemplo, a ecotoxicologia (a minha área) onde alguns são um pouco resistentes a idéia, temendo que a biologia molecular substitua as técnicas tradicionais para testes ecotoxicológicos. Na minha opinião, esta não é uma posição própria de um cientista: se uma técnica é melhor que a outra para responder uma mesma pergunta, que se substitua uma pela outra! Este é o objetivo. Mesmo excelentes cientistas deixaram de fazer grandes descobertas por estarem presos a conceitos e idéias. Não podemos ter medo do novo e nem nos acorrentar a uma idéia! Partimos de pressupostos, mas não podemos deixar que os mesmos ajam como âncoras e nos impeçam de ver uma possibilidade nova a nossa frente. Enfim, ao meu ver, um cientista tem que ter critérios mas tem também que ser open mind.


No entanto, particularmente na ecotoxicologia, por enquanto não acho que seja o caso de substituir uma coisa pela outra. As técnicas moleculares dão acesso a informações em um nível de organização biológica diferente das demais técnicas e vem a acrescentar no nosso entendimento dos mecanismos de toxicidade. E o mais importante é que podem nos permitir prever efeitos em níveis de organização biológica maiores, efeitos tardios e mais graves ecologicamente! A palavra importante aí é “prever”. Podemos prever os efeitos quando ainda há o que ser feito! E nisso a biologia molecular é pioneira. Pois as demais técnicas mostram os efeitos em níveis de organização maiores e, portanto, quando algum dano já foi feito. Pelo menos isso é o que eu penso, mas eu ainda sou peixe (ou seria melhor dizer ostra hehe) pequeno.

13 de março de 2009

RNA: mais que um intermediário da informação genética!

No último post, eu falei um pouco sobre os microRNAs. No entanto, este é apenas um dos tipos de um grande número de small RNAs não codificantes (não são traduzidos em proteínas) que vem sendo descoberto nos últimos anos. Estas pequenas moléculas de RNA têm se mostrado importantes na regulação de uma série de eventos celulares relacionados ao desenvolvimento, defesa contra patógenos e resposta ao estresse através da regulação da expressão gênica praticamente em todas as suas etapas: transcrição, tradução, splicing, controlando a estrutura da cromatina e a estabilidade do RNA mensageiro. Isso aumenta consideralvemente o leque de funções atribuídas ao nosso já antigo conhecido ácido ribonucléico e tem mostrado aos cientistas que o RNA exerce um papel regulatório importante nos processos biológicos.

Para mim, no entanto, a nomeclatura e a classificação dos small RNAs era um pouco confusa e pesquisando achei algumas divergências. Até que encontrei um “background paper” muito bom da Nature que esclareceu quase todas as minhas dúvidas: claro, objetivo e breve! Não é a toa que a revista tem o índice de impacto que tem.

(abre parênteses) Estou cada vez mais convencida de que quanto maior um texto, pior. Para explicar claramente um conceito ou uma idéia, não é preciso se estender muito. Quando escrevemos muito, em geral, é por que não sabemos ou não entendemos bem sobre o que estamos falando. (fecha parênteses)

Pois bem, segundo o paper da Nature, os principais tipos de small RNAs são os seguintes:

1) micro RNAs (miRNAs) – com 20-22 nucleotídeos, regulam negativamente a expressão gênica, ligando-se aos mRNAs e impedindo a sua tradução. Acredita-se que esta ligação se dê por meio de um pareamento de bases imperfeito, gerando uma “bolha” no duplex miRNA:mRNA o que bloquearia a tradução pelo ribossomo.

2) Small interfering RNAs (siRNAs) – com aproximadamente 22 ntds, são os mediadores da “interferência de RNA” que tem sido amplamente utilizado para o silenciamento gênico experimental através da introdução de siRNAs sintéticos. Os siRNAs e miRNAs são produzidos a partir da mesma via a partir de precursores de RNA dupla fita, no entanto, se diferenciam pelo modo de ação. Enquanto, o miRNA impede a tradução do mRNA, o siRNA marca o mRNA alvo para degradação por endonucleases, pois ao se ligar aquele, o faz por meio de um pareamento de bases perfeito. Acredita-se que tenha surgido como um mecanismo de defesa contra moléculas de ácido nucléico invasoras em plantas (vírus, transposons...)

3) small nucleolar RNAs (snoRNAs) – clivam o préRNA ribossomal em suas subunidades funcionais 18S, 5.8S e 28S.

4) small nuclear RNAs (snRNAs) – são constituintes do spliceossoma (maquinaria envolvida no splicing processo através do qual são removidos os íntrons dos RNA mensangeiros). Alguns snRNAs apresentam atividade enzimática durante o splicing.

Bom, isso tudo para mim só faz crescer o argumento de que a complexidade dos organismos está intimamente relacionada com a capacidade de regular como os seus genes funcionam, como eu já discuti aqui antes. Além de que pode explicar por que os genomas são constituídos principalmente por sequências não codificantes: provavelmente, a maior parte do genoma está envolvida com sua própria regulação!


Para saber mais:
Buckingham S. The major world of microRNAs. Nature, 2003.
Kawaji H, Hayashizaki Y (2008) Exploration of Small RNAs. PLoS Genet 4(1)


7 de março de 2009

microRNAs, macroPossibilidades


Já algum tempo que tenho ouvido falar dos microRNAs, uma nova classe de RNAs curtos e não codificantes (não são traduzidos em proteínas), porém, não menos importantes! Estes pequenos segmentos de RNA (~20 bases) hibridam nos seus RNAs mensageiros alvo e assim regulam negativamente a sua tradução ou induzem a sua degradação. Em animais, os microRNAs hibridam com o mRNA alvo na sua UTR 3’ (untranslated region) por meio de um pareamento de bases imperfeito o que acaba por impedir o prosseguimento da tradução. Já em plantas, há complementariedade completa (ou quase) entre o microRNA e o seu alvo e portanto o pareamento entre os dois é perfeito, resultando na degradação por clivagem do mRNA alvo devido a formação de uma dupla fita de RNA que é imediatamente degradada.

O importante nesta história é que os microRNAs constituem mais um mecanismo de regulação da expressão gênica. Mais uma forma de se controlar com especificidade quando, onde e com que intensidade os genes são expressos. A importância evolutiva destes mecanismos refinados de controle da expressão gênica eu já discuti um pouco por aqui antes. A meu ver, no entanto, mais importante que saber quando um determinado gene é expresso, ou não, é identificar e entender que mecanismos o regulam. Entendendo-se esta mecânica e toda a sucessão de eventos moleculares envolvidas poderíamos, dadas as circunstâncias, prever como os genes se comportariam e com isso ter uma idéia das conseqüências, dos efeitos biológicos das mais diversas “circunstâncias”: doenças, estresse térmico, oxidativo, exposição a poluentes, drogas e fármacos, etc.

Colocado assim, talvez pareça simples, mas não é. Os genes são muitos e, para a maioria das espécies, os seqüenciados são poucos. E se não conhecemos os genes, como estudá-los? As circunstâncias são infinitas. Os mecanismos de regulação gênica também parecem ser muitos e complexos. Mas o que me chamou atenção nos microRNAs é que um mesmo microRNA pode regular a expressão de vários genes alvo, assim como fatores de transcrição regulam um grupo de genes, e assim influenciar diferentes vias simultaneamente. Cada via de regulação gênica tem como alvo um grupo de genes correlacionados que se comportam da mesma forma, dada uma certa circunstância. Os genes, por sua vez, podem estar sujeitos a regulação por diferentes vias e, portanto, podem fazer parte de diferentes grupos, dependendo das circunstâncias.

O que eu concluo disso tudo, que pode já ser óbvio para muitos, é que é importante e mais fácil primeiramente estudar os elementos chaves desta rede de vias de regulação gênica. E, acredito, que os microRNAs sejam um elemento chave importante e que até então era ignorado. Por exemplo, resolvi escrever este post quando estava lendo um paper que descrevia a identificação de novos microRNAs induzidos por metais pesados em arroz e também os possíveis alvos destes microRNAs (Huang et al, 2008). Então, acho que é mais parcimonioso avaliar o nível de expressão de um destes microRNAs (e por tabela dos seus genes alvo) do que olhar para cada um dos genes sujeitos a sua regulação...É claro, atualmente, existe a técnica de microarrays, que possibilita avaliar a expressão de milhares de genes e inclusive já vi trabalhos de microarray para microRNAs. No entanto, esta técnica ainda é muito cara e não está disponível para a maioria dos laboratórios. Então, para quem só possa fazer um PCR quantitativo ou semi quantitativo ou northen blot, avaliar a expressão de um só microRNA pode significar acessar a informações sobre os níveis de expressão gênica de muitos outros genes.

Além disso, a regulação por microRNAs parece ser bem comum (no genoma humano, já foram identificados 462 microRNAs e estima-se que este número chegue a 1000) e até pouco tempo não era nem considerada! É mais uma forma de regular a expressão dos genes e a nível pós transcricional, o que significa, por exemplo, que, ao menos em animais onde a tradução é apenas bloqueada pelos microRNAs, esta regulação não seria detectada por técnicas que avaliam os níveis de mRNA.

...talvez tenha sido um pouco confusa neste post! Isso que dá meses sem postar.