22 de maio de 2008

Normalização de cDNA


Volto às bibliotecas de cDNA, mas agora para falar sobre o método de normalização que comentei no penúltimo post. Como eu havia dito, as grandes diferenças nos níveis de expressão dos genes e, logo, nos níveis de RNAm, dificultam o isolamento de genes pouco expressos através da análise dos clones de uma biblioteca de cDNA. Em uma biblioteca de cDNA normalizada, os diferentes cDNAs estão presentes, mais ou menos, na mesma proporção. Mas como normalizar uma biblioteca?
Os principais métodos de normalização de bibliotecas se baseiam em um princípio da cinética de reassociação do DNA. Durante o processo de reassociação do cDNA, após desnaturação (separação da dupla fita), as seqüências presentes em maior número irão se reassociar mais rapidamente do que as presentes em um menor número de cópias. Como conseqüência, primeiramente formam-se duas frações: uma fração de cDNA reassociado (ds cDNA, dupla fita) constituída pelas seqüências mais freqüentes e outra de cDNA fita simples (ss cDNA) constituída pelas seqüências mais raras (mas que também contém algumas cópias das seqüências mais freqüentes).

[Dedução minha] Isto acontece por uma questão de probabilidade. Tem-se uma mistura de cDNA complexa com milhares de cDNAs diferentes. Elevando-se a temperatura, o cDNA é desnaturado: as pontes de hidrogênio que mantém as duas fitas unidas são rompidas. Reduzindo novamente a temperatura, o cDNA se reassocia: as moléculas fitas simples se hibridizam com as respectivas fitas simples complementares a elas, voltando a forma dupla fita. A probabilidade de isto acontecer (as duas fitas simples complementares se reassociarem) é proporcional à concentração das mesmas na mistura: quanto maior a concentração, maior a probabilidade de uma fita encontrar a outra complementar na mistura.
Portanto, durante a renaturação do cDNA, as seqüências mais abundantes formam uma fração dupla fita e as menos freqüentes, uma fração fita simples. Esta última é a fração normalizada, onde os diferentes genes estão presentes mais ou menos em igual número. Os métodos de normalização existentes se diferenciam na forma de separação de uma fração da outra. Para não me estender ainda mais, não vou explicar os outros métodos, mas em geral todos possuem muitas etapas, exigem muito tempo e trabalho e não são adequados para a normalização de seqüências de cDNA completas. Como eu sou preguiçosa, procurei um mais fácil! hehehe Na verdade, foi um dos primeiros métodos de normalização sobre o qual li, então, eu dei sorte mesmo :)
O método de normalização em questão se chama “DSN (duplex-specific nuclease) normalization” e foi desenvolvido por um grupo de Moscou, Rússia (Zhulidov et al, 2005). Para isolar a fração normalizada fita simples, eles utilizam uma enzima chamada DSN (purificadas por eles a partir do garanguejo Paralithodes camtschatica). Esta enzima, como o nome já diz, é uma nuclease que cliva especificamente DNA dupla fita (tanto o duplex DNA-DNA quanto DNA-RNA, o que possibilita proceder a normalização já no produto da reação de síntese da primeira fita de cDNA). Como a DSN é termoestável e funciona a 70ºC, é possível utilizá-la para degradar a fração fita dupla na temperatura em que ocorre a renaturação do DNA. A temperatura de 70ºC também tem a vantagem de evitar que hibridizações não específicas ocorram e que transcritos sejam perdidos devido à formação de estruturas secundárias (que também seriam clivadas pela enzima). A fração fita simples remanescente é então amplificada por PCR. Na gelzinho a baixo, é possível observar o resultado da normalização. Na primeira raia do gel, foi aplicado um padrão, na segunda, o cDNA antes da normalização (com bandas nitidamente mais fortes, referentes a genes altamente expressos) e na terceira, o cDNA após o tratamento com a enzima DSN, onde não se observam mais as bandas existentes anteriormente. Muito bonitinho.
Mas, como nem tudo é perfeito, na etapa de amplificação do ss cDNA, há um segundo problema. Em uma mistura complexa de cDNA, com fragmentos de tamanhos muito distintos, os menores fragmentos serão amplificados mais eficientemente que os maiores pela reação em cadeia da polimerase (PCR). Isto significa que a amplificação do cDNA, anterior a sua clonagem em um vetor, resulta na perda das seqüências raras e mais longas, assim como na redução do comprimento médio dos insertos da biblioteca.
Para resolver isso, eles lançaram mão de um método chamado Regulation of Average Length of PCR Product (Regulação do comprimento médio do produto da PCR) desenvolvido por eles anteriormente (Shagin et al 1999). Seguindo-se esta abordagem, o cDNA fita simples é amplificado por PCR utilizando apenas um primer (“single primer PCR”), o mesmo primer funciona como foward e reverse. Como resultado, após um 1 ciclo, a molécula de DNA gerada desta forma contém terminações invertidas e, portanto, complementares (ITRs - inverted terminal repeats) referentes ao primer. No próximo ciclo do PCR, quando as moléculas de cDNA molde forem desnaturadas, as terminações invertidas de uma molécula fita simples tendem a hibridizar uma com a outra, competindo com os primers e inibindo, portanto, a amplificação. Este anelamento entre as terminações da molécula e, portanto, a inibição da amplificação pela polimerase serão maiores nos fragmentos menores, pois nestes, a probabilidade de uma extremidade encontrar a outra é bem maior que em fragmentos maiores, como observado na figura abaixo. Logo, este protocolo permite inibir a amplificação de fragmentos pequenos, favorecendo a amplificação das seqüências completas.

Concluindo, na abordagem proposta por Zhulidov e seus colegas, são combinadas três abordagens para construir uma biblioteca de cDNA normalizada (baixa redundância) e enriquecida com seqüências completas: 1) A tecnologia SMART que otimiza a síntese e amplificação de seqüências completas na reação de síntese da 1ª fita e na sua amplificação (que já usamos no lab e que não expliquei aqui) 2) A normalização do cDNA pela DSN e 3) A regulação do comprimento médio do produto da PCR durante a amplificação da fração normalizada. Pelo que vi até agora, acho que é a melhor forma de se construir uma biblioteca de cDNA normalizada.
No entanto, no curso de ecotoxicogenômica do ECOTOX, os gringos passaram voando por um slide que falava sobre este método e resolvi perguntar depois se era “isso tudo mesmo”. Eles disseram que funciona bem e que não é difícil de fazer, mas que quando se faz um pool das colônias transformantes para amplificação da biblioteca e posterior estoque, a normalização é perdida, pois os clones (de bactéria) crescem em velocidades diferentes e, no final das contas, estarão presentes em proporções diferentes. Se for assim mesmo, isto significa que, após a transformação, seria necessário analisar o maior número de colônias possíveis ou estocar as colônias isoladamente (crescê-las em placas de 96 ou 384 poços, adicionar glicerol e congelá-las).

15 de maio de 2008

X ECOTOX - Bento Gonçalves, RS.

Este mês, eu e a Lia fomos ao X ECOTOX (Congresso Brasileiro de Ecotoxicologia) em Bento Gonçalves, RS. Como missão dada é missão cumprida (ou quase sempre :-), e antes tarde do que nunca, vou fazer aqui um breve relato da nossa viagem e, é claro, do congresso.

30 de abril


Como chegamos em Bento Gonçalves por volta das 23 horas, não participamos da abertura do congresso, mas já aprendemos uma coisa nova chamada “frio”! Pois no RJ, não existe frio de verdade. Aqui, nós temos dias quentes e dias frescos, mas nada que se possa realmente chamar de frio! Por sorte, o hotel tinha um aquecedor que salvou minha vida, pois até ele começar a funcionar, eu estava tendo calafrios e batendo os queixos! Sério mesmo.

O dia também foi proveitoso, pois pude diminuir, talvez em 2%, meu medo de avião, depois de decolar e pousar duas vezes em um dia. Mas a partir de agora vou passar a pensar que vale a pena entrar em um avião, só pela felicidade de depois sair! (ou não :/)


01 de maio


Depois de congelar bem, ops, dormir bem durante a noite, acordei cedinho para o primeiro dia do mini curso de ecotoxicogenômica, que começava as 8 hs, no Dall’Onder Hotel. Eu chequei no google maps a distância do hotel onde nos hospedamos para o Dall’Onder (~2 km). Mas não chequei o relevo: ou as ruas sobem ou descem (vivendo e aprendendo...). E nem previ o vento frio paralizante que fazia às 7 horas da manhã. E nem a freqüência dos ônibus (15-30 minutos de espera). Fui de táxi mesmo. Mas, mais tarde voltamos andando, mas o tempo estava mais agradável, menos frio, sem vento e foi bem tranqüilo.

O mini curso foi bem legal, considerando o tempo disponível para abordar um assunto tão amplo. O curso foi ministrado por dois cientistas dos EUA, David Bencic e Adam Biales, que estudam os efeitos de poluentes disruptores endócrinos em peixes, principalmente, por meio da avaliação da expressão da vitelogenina, já bem caracterizada como biomarcador molecular. Eles são bem simpáticos e se preocuparam em não falar tão rápido, para que todos pudessem entender, embora às vezes disparassem 10 palavras por segundo por causa do pouco tempo, mas deu para entender bem assim mesmo.

Neste primeiro dia, eles optaram por discutir somente técnicas (real time PCR, microarranjos, eletroforese 2D, construção de bibliotecas, etc) e, por sorte, passaram voando pela introdução clássica DNA – RNA – PTN que eu não agüento mais ouvir! (trauma da genética, onde toda disciplina começava assim). Eles ficavam se desculpando o tempo todo por este primeiro dia ser chato, pois a maioria das pessoas não gosta desta parte técnica e dizendo que o segundo dia (aplicações destas técnicas na ecotoxicologia) seria mais legal. Eu particularmente não acho nada disso chato, pelo contrário, I think it’s very cool! E as aplicações são mais legais ainda!

DIGE
Uma técnica que eu não conhecia e que achei bem elegante é um aperfeiçoamento da eletroforese 2D chamado DIGE (Difference Gel Electrophoresis). Em um experimento tradicional, quando se quer comparar as proteínas expressas entre duas condições (controle e a condição experimental estudada), normalmente, são feitos dois géis separadamente: um com o extrato protéico de cada grupo experimental. Depois, compara-se o gel (analisando as imagens com um software) para identificar os spots que apresentam diferenças de intensidade e tamanho entre um gel e o outro e os que estão presentes em um, e ausentes em outro. Através do DIGE, pode-se analisar em um mesmo gel o grupo controle e experimental, eliminando as variações resultantes de diferenças de corrida dos géis independentes. Isso é feito da seguinte forma: o pool de proteínas de cada grupo é marcado com um corante fluorescente que exibe um pico de absorbância específico. São feitos dois controles: controle experimental tradicional (marcado com vermelho) e um padrão interno (contêm uma fração de proteínas de todos os grupos controle e experimentais, marcado com amarelo). Este último tem o objetivo de garantir que todas as proteínas (muito ou pouco expressas) sejam detectadas. O extrato protéico do grupo experimental é marcado com um terceiro corante, azul. Todos estes extratos protéicos, previamente marcados, são analisados em um mesmo gel o qual é analisado por um scanner que detecta as fluorescências emitidas.


A principal vantagem é a redução da variação experimental o que permite uma avaliação quantitativa dos dados com maior valor estatístico. Além disso, tem um software que analisa tudo! Mas ainda é bem caro, cada gel custa $250 (contra $200 de um DNA array) e o custo do scaner é tão mirabolante quando o do microarranjo. Como em um DNA array, pode-se analisar um número bem maior de variáveis, eu ainda prefiro os microarranjos, mas é claro que é preciso considerar os objetivos do estudo antes de escolher qual a melhor abordagem.

Outra coisinha legal que eles falaram e que eu nunca tinha pensado é que é possível se extrair RNA e as proteínas de uma mesma amostra (dá para fazer com trizol) e, então, analisar ambas as moléculas, pois nem sempre um aumento de RNA corresponde a um aumento da proteína correspondente, pois há mecanismos de controle da expressão que atuam impedindo de diversas formas que o RNA seja traduzido.

Sessão de pôsteres
A Lia logo apresentou seu pôster e fomos dar uma volta para olhar os outros trabalhos. Fiquei mais retida aos trabalhos que tinham mais a ver com o dela, mas que afinal de contas também me interessam. Tinham alguns trabalhos com BioMol e tinha um trabalho que usava microrranjo (com alguma espécie de minhoca), mas o autor não estava por lá quando passamos...Mas o que mais tinha eram trabalhos que utilizam COMETA e/ou micronúcleo.

02 de maio de 2008

De manhã, fomos assistir ao workshop de biomarcadores fisiológicos, morfológicos, genéticos e bioquímicos. Eu achei bem interessante, principalmente, os biomarcadores morfológicos. Mas ainda tem muita coisa a ser feita...mas, achei legal saber que já algo sendo feito por aqui na direção de desenvolver estudos que busquem integrar biomarcadores de diferentes níveis e organização biológica para melhor entender (e prever) os efeitos de um determinado poluente no organismo e no ecossistema. Aliás, eu estava pensando em falar sobre isso no seminário do programa de biofísica ambiental que algum dia terei que apresentar, mas não sei se é algo já “batido” (?). Tem um artigo do Dondero bem legal (2006, Aquatic toxicology), mas também vi outras referências mais gerais (revisões, viewpoints, etc).

De tarde fomos comprar casaco em Farroupilha! Depois vi que não saiu tão em conta assim, mas só pelas horas de aquecimento que o casaco me forneceu lá, já valeu cada centavo!

03 de maio de 2008

Último dia do congresso. De manhã: mini curso. Neste dia, eles falaram mais sobre as aplicações de todas aquelas técnicas na área de ecotoxicologia, sempre puxando o peixe pro lado deles (literalmente!). Eles citaram vários trabalhos, mas achei um extremamente louco (e as outras pessoas também): ELA – Experimental Lakes Area. Lagos que receberam doses de ~5 ng/L de EE2. Eu sou antiquada ou introduzir poluentes em um lago, mesmo com o melhor dos objetivos, é insano? Mesmo sendo o menor dos Lagos...se todos os pesquisadores fizerem isso, o que vai sobrar? Eles disseram ser o sacrifício de um lago em nome de muitos outros. Eu quero saber quantos lagos foram recuperados com este estudo...

Entre o almoço e a próxima palestra no Parque dos Ventos, ops, de Eventos, demos uma volta pelo centro da cidade (que é bem bonitinho) e compramos suco de uva para variar! A sessão de pôsteres foi um desânimo só, todos foram só retirar o pôster. A noite, fomos ao jantar de confraternização onde ficamos numa mesa “mercosul” (brasileiras, argentinas, uruguaias...). A Lia me disse que ia ser super animado hehe mas só tocava música gaúcha :-P Tava down até para os meus padrões hehe mas foi legal assim mesmo!