23 de março de 2008

RNA quality control


Mas o que é um RNA de qualidade? Em primeiro lugar, como ficou evidente no último post, um bom RNA deve estar íntegro (as moléculas não devem estar fragmentadas). Além disso, o RNA deve estar puro, ou seja, livre de contaminantes como sais, etanol, lipídeos, polissacarídeos, proteínas, fenol, clorofórmio e outras substâncias que podem estar presentes nas soluções utilizadas na sua extração ou no tecido de origem. Isto é especialmente importante no caso em que o RNA será utilizado em reações enzimáticas, uma vez que estas exigem condições químicas específicas, além de serem suscetíveis a inibição por uma série de compostos.





Para avaliar a pureza de uma amostra de RNA, assim como para quantificá-lo, a opção é obter o espectro de absorbância da amostra utilizando um espectrofotômetro. Nos aparelhos tradicionais, a amostra é colocada em uma cubeta, o que exige um volume considerável de amostra, mesmo estas sendo diluídas. Com um espectrofotômetro mais moderno, como o Nanodrop (não estou fazendo propaganda), é necessário utilizar apenas 1 ul de amostra para se obter um espectro completo, preciso e quase sempre sem que seja necessário diluir a amostra, além de detectar concentrações de RNA ínfimas como 2 ng/ul. Em 10 segundos, você tem na tela um gráfico mostrando o espectro (220-750 nm) além de outras informações como concentração de RNA, razões 260/280, 260/230, etc.




O pico de absorbância do RNA é a 260 nm (Uma leitura a 260nm igual a 1.0 equivale a 40 ug RNA/ml). Uma amostra de RNA deve exibir uma curva em formato de sino, com um único pico em 260 nm. Proteínas apresentam um pico de absorbância a 280 nm e outros contaminantes (como sais, polissacarídeos e compostos orgânicos como fenol) apresentam pico de absorbância em torno de 230 nm. Por isso, a razão das abs. 260/280nm é freqüentemente utilizada para avaliar a contaminação por proteínas, sendo o valor de referência (amostra livre de proteínas) igual a 2.0 (o que varia um pouco na literatura). E a razão das abs. 260/230nm é utilizada para avaliar a contaminação por outros compostos (valor de referência também em torno de 2.0 – e também não é consenso). Logo, seu RNA está OK se a curva obtida for parecida com a vermelha no gráfico abaixo.



Para avaliar a integridade do RNA é possível utilizar, principalmente, três abordagens:


1) Submeter o RNA a eletroforese em gel de agarose em condições desnaturantes (existem diferentes protocolos disponíveis);


2) Realizar northern blot para algum gene housekeeping altamente expresso (como por exemplo, actina), embora esta técnica não seja mais muito usada como meio de avaliação da expressão gênica, ainda pode ser útil neste contexto;


3) Analizar o RNA através de um bioanalyzer (sistema de eletroforese em capilares).




Através de um gel de agarose desnaturante, é possível deduzir a integridade do RNA através da visualização das bandas de RNA ribossomal. A presença de rastro abaixo das bandas de rRNA indicam degradação e, acima delas, pode indicar contaminação por DNA genômico (o que pode comprometer resultados futuros). Portanto, um RNA legal deve apresentar bandas bem definidas e sem rastros (como na foto por trás do título do blog :-). Além disso, a banda referente ao rRNA 28S deve apresentar o dobro da intensidade da banda do rRNA 18S. Este parâmetro tenho sido bem utilizado (através do cálculo da razão entre as intensidades das bandas 28S/18S que deve ser igual a 2.0, mas este valor pode variar entre diferentes espécies e tecidos). No entanto, esta técnica exige uma quantidade considerável de RNA (pelo menos, 1 ug, o que pode ser limitante para alguns), além de somente detectar um grau considerável de degradação (suficiente para exibir um rastro no gel e alterar a razão 28S/18S calculada a partir da análise da imagem dele) e demandar mais tempo e trabalho.


Por fim, o bioanalyzer tem sido considerada a melhor opção, mas ainda não é um equipamento comum nos laboratórios. Exige pequenas quantidades de RNA (até 200 pg de RNA total!) e utiliza um corante fluorescente que permite avaliar tanto a integridade quanto a concentração de RNA na amostra. O princípio é o mesmo de uma eletroforese em gel de agarose, mas a corrida é feita em um capilar contendo o polímero e é gerado um eletroferograma (a direita do gráfico abaixo) o qual é analisado automaticamente pelo aparelho que detecta qualquer traço de degradação. O resultado é exibido na forma de um gráfico, como o abaixo, através do qual é possível calcular a razão 28S/18S com maior precisão a partir dos respectivos picos. Além disso, existem softwares que utilizam um algoritmo para analisar os resultados obtidos e atribuir à amostra uma pontuação (RIN – RNA Integrity Number) que varia de 1 a 10. Coisa de primeiro mundo!

O que eu escrevi aqui é pouquíssimo perto da quantidade de informação disponível sobre o assunto, para saber mais acesse os links abaixo. Em qualquer site de busca em periódicos (pubmed, science direct, web of knowledge, etc) é possível encontrar bons artigos sobre o assunto.
No próximo post, eu pretendo falar sobre como tenho avaliado a qualidade das amostras de RNA total que tenho extraído, dos resultados obtidos e de algumas modificações que fiz no protocolo de extração para melhorar a qualidade das amostras.
Links relacionados:

21 de março de 2008

O pesadelo das RNAses!


Em muitos estudos que lançam mão de técnicas moleculares, o primeiro passo para se ter resultados confiáveis é obter um RNA de boa qualidade, principalmente quando o objetivo é avaliar quantitativamente a expressão gênica através de técnicas como real time-PCR e microarrays. Por enquanto, não vou fazer uma coisa, nem outra. Mas também preciso de RNAs de excelente qualidade para construir bibliotecas gênicas (de cDNA) que contenham o máximo possível de diferentes seqüências gênicas completas.


Antes de discutir o que seria uma amostra de RNA "de qualidade" devo apontar a principal culpada pela sua degradação: as RNAses (ribonucleases). Como o nome sugere, estas enzimas catalisam a hidrólise de moléculas de RNA, ou seja, as cortam em mil pedacinhos, e fazem com que uma amostra de RNA seja bem instável em um ambiente desprotegido. O problema é que as RNAses são praticamente onipresentes e estão presentes principalmente em nós mesmos: a nossa pele, cabelos, unhas, saliva, etc. Por isso, ao manipular não só as amostras de RNA, mas tudo o que for entrar em contato com elas, deve se ter uma série de cuidados (leia-se: paranóia).


Obviamente, o primeiro destes cuidados é sempre usar luvas. Além disso, todos os materiais utilizados devem ser tratados com o objetivo de remover ou inativar estas enzimas (devem ser RNAse free). O que é outro problema, pois elas apresentam uma grande capacidade de renaturação, sendo bastante resistentes tanto à temperatura e pressão elevadas como à desnaturação química. Logo, além de onipresentes, são de difícil inativação. Existem algumas soluções comerciais para isso e os materiais plásticos (ponteiras, tubos, etc) podem ser comprados já livres de RNAses (RNAse-free certified - o que é bem garantido).

O procedimento mais comum, no entanto, é a utilização de um inibidor de RNAses como, por exemplo, o DEPC (Diethylpyrocarbonate). Este composto pode ser usado para tratar soluções (exceto as que contenham Tris) e também vidraria e materiais plásticos. Basta adicioná-lo numa concentração de 0.5-1% ou, no caso de vidrarias e plásticos, deixá-los de molho em uma solução de igual concentração por 18 horas, autoclavando todo o material em seguida (inclusive as soluções), o que converte o composto a etanol e CO2. No entanto, há algumas desvantagens como o preço (bem carinho) e o fato de ser uma substância tóxica (logo, deve-se ter cuidado durante sua manipulação enquanto não for inativado). Além disso, há quem questione sua eficácia. Outra coisa é que as soluções tratadas com DEPC, após autoclavadas, ficam com um cheiro engraçado de fruta meio estragada! O que não é uma desvantagem, só uma curiosidade...


Durante uma disciplina da graduação, um professor disse que esta paranóia toda é desnecessária e que, no laboratório dele, nada é tratado com DEPC. Para evitar a ação das RNAses basta proceder todas as etapas da extração (principalmente a lise celular) em nitrogênio líquido, pois a enzima não funciona numa temperatura tão baixa. Verdade. Mas também não é nem um pouco prático ter que manter as amostras em nitrogênio líquido o tempo todo, sem contar em todas as vezes em que você for manipular as amostras, no futuro.

Resumindo, quem tem que extrair RNA frequentemente acaba desenvolvendo uma paranóia quase patológica, limpando a bancada exaustivamente, não deixando ninguém encostar em nada sem luvas, abrindo as soluções sempre dentro do fluxo, etc. Mas se eu conseguir bons RNAs, vai ter valido a pena!

19 de março de 2008

Primeiro post


O dia-a-dia de um cientista consiste basicamente em solucionar problemas. E estes variam de problemas metodológicos e conceituais à burocráticos e financeiros (principalmente, para os cientistas brasileiros!). Muitas vezes, por mais que uma técnica esteja bem estabelecida e existam inúmeros protocolos disponíveis, o experimento simplesmente não funciona. Claro que pode ser por inexperiência, por estar realizando o experimento pela primeira vez. Ás vezes, quando por motivos "práticos", não é possível seguir tão fielmente assim o protocolo é mais fácil ainda descobrir o porquê da coisa não estar dando certo... Mas quando após inúmeras tentivas, seguindo fielmente o protocolo, nada muda, alguma coisa deve estar errada. Alguma coisa que seja peculiar ao seu experimento, ao contexto em que a técnica está sendo aplicada. A partir daí, é pensar, pesquisar, ler troubleshootings, levantar hipóteses, propor possíveis soluções e, finalmente, testá-las! Esta situação é bem comum no meio científico - ou é só comigo ? :) - e por mais que eu reclame, eu gosto do desafio e espero poder superar pelo menos a maioria. Afinal, não deve ter coisa melhor que, após muito trabalho, obter um resultado bacana.

Bom, tudo isso foi para explicar que estou fazendo este blog para discutir algumas questões deste meu "cotidiano científico", embora eu seja ainda uma cientista em formação. Coloquei o nome RNAse free por trabalhar com (e adorar) biologia molecular, mas não devo me prender somente à este assunto (ainda que seja tentador!). Não acho que isto vá interessar a muitos, mas às vezes o mais importante é poder se expressar, mesmo sem ser ouvido..hehe :)