19 de novembro de 2008

Vivendo (lendo) e aprendendo

Hoje eu li duas coisas, digamos, interessantes, que podem explicar nossos resultados com a ultima biblioteca.


1. Parece que o plasmidio da clontech que, supostamente, é fornecido digerido e fosforilado e pronto para clonagem nao é tao fosforilado assim. Eu nunca me senti confortàvel com isso. Sempre achei que se deve ter um estoque de plasmidio circular (para amplificar mais quando necessario) e EU MESMA digeri-lo e desfosforilà-lo para logo em seguida realizar a reaçao de ligaçao e assim evitar que o plasmidio circularize (sem inserto) antes ou durante a clonagem.

2. Durante o screening inicial da biblioteca, por meio de PCR de colonias, quando nao hà inserto no plasmidio, sao geradas bandas de aproximadamente 500 pb, especificamente com os primers e plasmidio que usei. Advinha qual era o tamanho da banda da maior parte dos clones que eu analisei??? Sim, isso mesmo! Aproximadamente 500 pb!
Mas, tudo bem. Este é o melhor momento para eu descobrir estas coisas. E viva as pessoas que publicam suas experiencias na internet, pois obviamente nenhuma destas informaçoes estava no manual do kit!
Obs: desculpem os erros, teclado italiano.

18 de novembro de 2008

RNA quality, again...

Durante este período fora, não vou abandonar o blog, mas usá-lo principalmente para ir contando como andam os experimentos aqui na Itália e o que mais eu for aprendendo de interessante...

Bom, ainda não comecei os experimentos, pois devo esperar as amostras e além disso determinar realmente o que vamos fazer e de quais reagentes iremos precisar. Assim que estiver com minhas amostras de RNA (total e poli-A) em mãos a primeira coisa que devo fazer é precipitá-las e checar a qualidade delas novamente. Isso inclui tudo aquilo que já discuti aqui e mais uma coisa que o Francesco me disse ser fundamental que é checar o tamanho da banda de rRNA 18S, pois se estiver muito abaixo do esperado é sinal de degradação (mesmo sem rastro) e todos os géis que eu fiz até então foram sem padrão :/. O ideal é usar um padrão de RNA, mas na falta de um, pode-se usar um de DNA também, para se ter ao menos uma idéia, pois o padrão de migração é um pouco diferente.
Parece que não é apenas eu quem tem problemas para extrair RNA de músculo de moluscos. É comum a razão 260/230 ficar baixa devido a contaminantes (principalmente, polissacarídeos). Aqui eles costumam extrair RNA do tecido congelado, ao invés de em RNA later, o que reduz o problema e é mais eficaz para inativar RNAses e, além disso, costumam fazer uma precipitação com cloreto de Lítio. Já tinha pensado em fazer as duas coisas no Brasil, mas não saiu do papel, pois foi pouco antes de vir para cá. Parece que a precipitação com cloreto de lítio é mágica, remove todos os contaminantes e não se perde nada da amostra. E o protocolo é bem simples. Vamos ver. Eu devo fazer com algumas das minhas amostras de músculo, pelo menos. A verdade dura e crua é que um RNA perfeito é essencial, principalmente, quando se quer construir uma biblioteca de cDNA, um processo longo e caro cujo resultado final pode ser totalmente comprometido pela qualidade do RNA utilizado. Então, o melhor é ser conservador ao extremo em relação as amostras de RNA.

Outra coisa interessante que o Francesco falou é que após a reação de clonagem e antes da transformação, devemos checar a resistência das bactérias ao antibiótico utilizado, pois se a linhagem exibir alguma resistência intrínsica, a seleção dos clones transformantes não vai ser eficiente. Pode ter sido o que aconteceu com a biblioteca que construímos ano passado, pois o número de colônias foi bem grande.

That's all for now.
Ciao ciao!

26 de outubro de 2008

SPACE INVADERS



Apesar do título sugestivo, não, eu não vou falar sobre vida extra-terrestre! Eu ia continuar com a questão do desenho experimental, mas este mês foi publicado um artigo super interessante que me remeteu aos (velhos?) tempos da graduação em genética e não resisti comentar aqui.

A história começa quando um grupo da Universidade do Texas em Arlington (EUA) estava estudando transposons no genoma da espécie Otolemur garnettii (ou bushbaby). Transposons são seguimentos de DNA que podem se mover dentro de um mesmo genoma fazendo uma cópia de si mesmo e a inserindo em outro local ("copy and paste”) ou “recortando-se” de um local para se inserir em outro ponto do genoma (“cut and paste”) e neste processo podem carregar genes adjacentes e causar mutações.

Eles então resolveram comparar as seqüências de uma superfamília de transposons que acharam no bushbaby com as seqüências de outros animais. E, surpreendentemente, eles encontraram seqüências praticamente idênticas em 7 outras espécies inclusive em uma espécie de anfíbio e em um réptil, enquanto que as mesmas seqüências não foram encontradas em outras 19 espécies de mamíferos pesquisadas. O intrigante é que estas seqüências altamente conservadas apresentam um padrão descontinuo na árvore filogenética, aparecendo em grupos não diretamente relacionados, como se tivessem dado saltos entre eles. Estimou-se que as seqüências tenham surgido e evoluído por pelo menos 15 milhões de anos, enquanto estes grupos divergiram há 350 milhões de anos. Como os transposons pareciam “surgir do nada” nas diferentes espécies analisadas, eles deram o nome de “Space invaders” (SPIN). Mas, então, como explicar a ocorrência dos spacer invaders nestes grupos?


Estes dados são uma forte evidência de que estas seqüências não foram adquiridas verticalmente, ou seja, através da reprodução de ancestrais, mas horizontalmente. A transferência horizontal (ou lateral) de genes consiste na transferência de material genético de um organismo para outro “não descendente” e pode ocorrer mesmo entre organismos de espécies diferentes. Este evento é muito comum entre bactérias que podem, por exemplo, assimilar fragmentos de DNA liberados após a lise de outras bactérias presentes no ambiente.

Mas em eucariotos isso não é nada comum. Como estas seqüências “saltaram” entre os genomas de mamíferos e répteis? Feschotte, líder do grupo que realizou o estudo, acredita que possivelmente estes transposons tenham sido transferidos entre estas diferentes espécies por meio de infecções virais. A introdução dos SPINS nestes genomas têm uma importância evolutiva grande uma vez que, por exemplo, no genoma do tenrec estas seqüências se duplicaram até atingir um número de 100 mil cópias e no rato e no camundongo, estes transposons deram origem a um novo gene funcional.

O trabalho “Repeated horizontal transfer of a DNA transposon in mammals and other tetrapods” foi publicado na PNAS de outubro/2008.

Você pode ler sobre os SPINs na G1 ou na GenomeWeb News (em inglês, com cadastro).

20 de outubro de 2008

Desenho experimental é tudo!


Todos que trabalham com ciência sabem ou deveriam saber disso. Isso porque o desenho experimental é crucial para que se consiga o tipo e a quantidade de dados que realmente podem responder a pergunta de interesse. Logo, o primeiro passo é sempre identificar que perguntas específicas serão investigadas com o experimento em questão e definir quais tratamentos (grupos experimentais) e controles utilizar, assim como quais variáveis (os “tipos de dados”) devem ser monitoradas em função dos tratamentos utilizados para que seja possível responder as perguntas estabelecidas. Uma outra questão extremamente importante é identificar as fontes de variabilidade existentes. Todas estas questões são assunto para 1 ano de posts...mas, recentemente, eu tive uma aula sobre desenho experimental na área de proteômica onde se discutiu a problemática das fontes de variabilidade e a importância das réplicas, principalmente, biológicas...questões sobre as quais eu já vinha pensando e que despertaram ainda mais meu interesse. Portanto, por enquanto, vou me focar neste ponto.

Por que identificar as fontes de variabilidade é tão relevante? Em geral, o objetivo de um experimento é avaliar os efeitos de um “tratamento”, por exemplo, a exposição a uma substância tóxica, no organismo ou modelo de estudo. Em contraste com um estudo de “observação” onde dados são obtidos e analisados sem que as condições sejam alteradas. Para determinar que os efeitos observados através de um experimento são resultado do tratamento utilizado é preciso ter o máximo de controle sobre todas as possíveis fontes de variabilidade (que não o tratamento) que podem interferir nos resultados para que desta forma se possa determinar que os efeitos observados estão de fato relacionados com o tratamento. Estas fontes podem ser tanto técnicas quanto biológicas. Em geral, as pessoas se preocupam mais com a variabilidade técnica cujo grau depende, obviamente, das técnicas utilizadas. No entanto, a variabilidade biológica também pode ser uma grande pedra no caminho, especialmente, em experimentos que avaliam alterações na expressão gênica de milhares de genes como os microarranjos de DNA e a proteômica. As fontes de variabilidade biológica são inúmeras: diferenças genéticas, de idade, sexo e de estado nutricional entre os indivíduos, no caso de cultura de células: o número de passagens, a linhagem utilizada, a densidade de células e o tempo de cultivo da linhagem (no caso de culturas primárias) são relevantes.

Para lidar com esta variabilidade a utilização de réplicas (técnicas e biológicas) é essencial. Uma réplica técnica consiste em analisar uma mesma amostra biológica independentemente mais de uma vez, enquanto que uma réplica biológica consiste em analisar amostras biológicas provenientes de diferentes indivíduos. Esta estratégia auxilia a reduzir a variabilidade não relacionada com o tratamento e, assim, a detectar variações “verdadeiras” com maior precisão, além de possibilitar que os dados sejam avaliados estatisticamente. No curso de proteômica, foi comentado que, estatisticamente, as réplicas biológicas são mais relevantes que as técnicas e que vale a pena aumentar o número de réplicas biológicas mesmo em detrimento do número de réplicas técnicas. Mas, falando de estatística eu estou entrando em terreno praticamente desconhecido para mim...ao menos por enquanto, pois pretendo e, principalmente preciso(!!!) mudar isso.
Bom, eu escrevi uma página e acho que não disse muita coisa, então, continuo na próxima vez! Ciao!

11 de outubro de 2008

O fim (?) da novela "primer design"

Só para fechar esta questão dos primers: um guideline no site da Premier Biosoft (a empresa do netprimer e do primerpremier) me ajudou bastante fornecendo os valores toleráveis de deltaG para cada uma das possíveis estruturas secundárias para os primers em questão. O deltaG (variação de energia livre) indica a quantidade de energia necessária para romper com a estutura secundária e é utilizado como uma medida da estabilidade destas estruturas. Quanto mais negativo for o deltaG, mais estável é a estrutura e, portanto, piores são os efeitos no PCR! Mas, não é preciso ficar desesperado como eu fiquei quando o programa acusar estruturas em todos os seus primers. Se o deltaG for baixo, provavelmente, aquela estrutura não vai se manter na temperatura de anelamento dos primers durante o PCR e não vai interferir na eficiência da reação de amplificação. Por enquanto, meus primers estão ok, embora nem todos estejam funcionando (mas acredito que por outros motivos).

Para saber mais e conhecer os valores de deltaG toleráveis em cada caso: http://www.premierbiosoft.com/tech_notes/PCR_Primer_Design.html

No próximo post, vou falar sobre outro tipo de "design" :)

6 de agosto de 2008

Primer design

Desenhar um par de primers é bem simples, certo? É só desenhar oligonucleotídeos homólogos às regiões que flanqueiam a sua seqüência alvo. Na verdade, não é tão simples assim, ao menos se você realmente quer que seu PCR funcione. E que funcione bem: com uma eficiência alta e sem bandas não específicas. Além disso, depende muito de o que você quer amplificar (DNA genômico, um gene clonado em um vetor, cDNA?). A primeira vez em que eu desenhei um par de primers na minha vida, foi bem simples, eu fiz literalmente à mão. Peguei a seqüência ao alvo (um gene já seqüenciado e isolado em um vetor plasmidial) e desenhei um oligo para anelar no início e outro para anelar no fim do gene e adicionei um sítio de restrição a cauda 5’ de cada um dos primers, para posterior clonagem do amplicom em um vetor diferente. Depois chequei num programa de computador (oligocalculator) o conteúdo de GC e o Tm, para saber se eram compatíveis. E os primers funcionaram muito bem, obrigado! Mas hoje, eu acho que dei um pouco de sorte, pois eu não chequei várias coisas nestes primers que poderiam ter condenado o PCR a um desastre!




Agora, estou eu novamente desenhando primers, mas desta vez, usando um programa para isso, o primer3. Mas o contexto é bem diferente: tenho apenas o começo da seqüência alvo, logo, para os primers reverse e internos (nested), preciso lançar mão de um alinhamento de seqüências conhecidas para o mesmo gene de interesse em outras espécies, sendo que queremos amplificar o cDNA, mas nos bancos de dados há apenas seqüências genômicas disponíveis (sem os íntrons anotados, é claro, para facilitar).


Bom, mas quando eu já tinha feito quase todos os primers que eu queria com o primer3, comecei a ficar preocupada se este programa realmente fornecia oligos que não formem estruturas secundárias (grampos) e que não formassem dímeros. Procurei na Internet um programa que verificasse isso, especificamente, só para garantir, e achei o Netprimer, que verifica o potencial do primer em forma grampos (hairpin), dímeros, dímeros cruzados, seqüências palindrômicas, repetições e “runs” de um nucleotídeo (pelo menos 3 nucleotídeos iguais repetidos). Todas estas coisas podem diminuir em muito a eficiência do PCR: um primer que forma um grampo, não vai hibridizar na seqüência alvo (ou com uma eficiência muito baixa), se os primers formam dímeros, competem com a seqüência alvo, ou seja, a quantidade de primer realmente disponível para hibridizar na seqüência alvo, diminui drasticamente, etc. E qual foi a minha surpresa quando submeti as seqüências dos meus primers neste programa? De 4 primers, apenas 1 sobreviveu! Sendo que para cada um destes primers, o primer3 ainda me deu outros 4 oligos alternativos, mas todos eles também tinham algum problema! Ou seja, 15 primers diferentes e TODOS eles tinham algum (ás vezes, mais de um) destes problemas, como nas figuras abaixo, onde a primeira mostra a formação de um grampo e a segunda, de um dímero.




Além destas estruturas, ao se desenhar os primers, deve-se ter outras preocupações:

- Evitar “runs” de 3 ou mais G ou C na terminação 3’, pois pode diminuir a especificidade, uma vez que isso aumenta a estabilidade de hibridizações não específicas e a região 3’ é crítica para a especificidade e sensibilidade do PCR.
- Evitar um nucleotídeo T na terminação 3’.
- Evitar complementaridade entre os primers (para evitar a formação de dímeros).

Há muito mais sobre primers, mas como eu ainda não resolvi os problemas dos meus próprios, não vai dar para me estender além disso por aqui agora...



15 de junho de 2008

O jogo da evolução

Este mês, foi publicada uma reportagem bem legal na revista "Scientific American Brasil" com o título "O jogo da evolução" onde são discutidos dois assuntos que eu acho interessantes: evolução e controle da expressão gênica. Resolvi escrever uma pequena "resenha" e discutir alguns pontos do artigo aqui:


Como surgiu a imensa diversidade de espécies existentes é uma pergunta que há muito tempo os cientistas tentam responder. Com a identificação do DNA como o material genético e dos genes como as unidades que codificam as proteínas (embora esta definição não seja a mais adequada atualmente), a expectativa era que fossem encontradas diferenças genéticas correspondentes a diversidade anatômica observada entre as espécies. No entanto, o que se tem observado é que as espécies são geneticamente mais semelhantes em relação à vários aspectos (número, tipos e seqüência dos genes) do que se imaginava. Os cientistas resolveram, então, estudar os genes relacionados ao desenvolvimento, uma vez que as diferenças anatômicas entre as espécies devem resultar de diferenças nestes processos. Mais uma vez se surpreenderam ao observarem que tais genes são mais conservados ainda! Chegou-se a um aparente paradoxo: como as espécies podem ser tão distintas anatomicamente e ao mesmo tempo tão semelhantes geneticamente?


A resposta parece estar nos mecanismos de controle da expressão gênica. Embora os organismos possuam conjuntos de genes semelhantes, o que os tornaria diferentes é o contexto em que tais genes são expressos: quando, onde e em que intensidade são expressos. Em eucariotos, os mecanismos de controle da expressão gênica vão muito além de diferentes tipos promotores e fatores de transcrição. Cada gene contém pelo menos uma seqüência atenuadora (ou enhancer) que consiste em uma seqüência regulatória que pode estar praticamente em qualquer lugar abaixo, acima ou dentro (em um íntron) do gene. Os vários enhancers de uma mesmo gene irão controlar sua atividade em diferentes tecidos e momentos do ciclo de vida do animal. Consequentemente, a transcrição de um gene pode ser finamente regulada o que possibilita a sua expressão em diferentes contextos, ampliando a sua funcionalidade.


De fato, sabe-se que ao mesmo tempo que os genomas eucarióticos são bem maiores que os de procariotos, a maior parte deles é constituída por seqüências não codificantes. Então, como explicar o maior complexidade dos organismos eucarióticos? Os grandes genomas estão justamente relacionados com o surgimento de mecanismos de controle da expressão gênica mais complexos, os quais são responsáveis pela maior complexidade destes organismo. E pensar que boa parte do genoma eucariótico ainda é chamada por muitos de "DNA lixo"...Nada existe sem um motivo, principalmente, se tratando de DNA: para que gastar energia mantendo e replicando milhões de pares de bases "inúteis"? O argumento que seria para diminuir a probabilidade de ocorrência de mutações em seqüências gênicas nunca me convenceu!


Tais genes, expressos em diferentes contextos onde exercem funções distintas, são chamados de pleiotrópicos. Uma mutação em um gene deste tipo dificilmente seria tolerada, pois afetaria muitos processos. A principal implicação evolutiva do controle da expressão gênica por seqüências atenuadoras é que mutações nestas seqüências podem alterar pontualmente uma característica sem que o gene responsável seja alterado, ou seja, pode-se alterar a expressão de um gene específico somente em um tecido ou em um momento do desenvolvimento sem que as demais funções do mesmo sejam alteradas. Isto é bem discutido no artigo em questão através de vários exemplos interessantes. Para entendermos as diferenças entre as as formas de vida, devemos olhar para além dos genes e proteínas: para como estes genes e proteínas são rigidamente regulados, um campo ainda pouco conhecido. Além das seqüências atenuadoras, há inúmeros mecanismos de regulação da expressão gênica, entre eles a regulação por microRNAs. Eu particularmente pouco sei sobre isso, mas acho bem interessante...

Como acabei me desviando em alguns pontos, e sendo bem sucinta em outros, caso alguém queira ler a reportagem na íntegra (que descreve alguns casos bem legais mais detalhadamente), ela também está disponível online, neste link:

http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/o_jogo_da_evolucao.html



22 de maio de 2008

Normalização de cDNA


Volto às bibliotecas de cDNA, mas agora para falar sobre o método de normalização que comentei no penúltimo post. Como eu havia dito, as grandes diferenças nos níveis de expressão dos genes e, logo, nos níveis de RNAm, dificultam o isolamento de genes pouco expressos através da análise dos clones de uma biblioteca de cDNA. Em uma biblioteca de cDNA normalizada, os diferentes cDNAs estão presentes, mais ou menos, na mesma proporção. Mas como normalizar uma biblioteca?
Os principais métodos de normalização de bibliotecas se baseiam em um princípio da cinética de reassociação do DNA. Durante o processo de reassociação do cDNA, após desnaturação (separação da dupla fita), as seqüências presentes em maior número irão se reassociar mais rapidamente do que as presentes em um menor número de cópias. Como conseqüência, primeiramente formam-se duas frações: uma fração de cDNA reassociado (ds cDNA, dupla fita) constituída pelas seqüências mais freqüentes e outra de cDNA fita simples (ss cDNA) constituída pelas seqüências mais raras (mas que também contém algumas cópias das seqüências mais freqüentes).

[Dedução minha] Isto acontece por uma questão de probabilidade. Tem-se uma mistura de cDNA complexa com milhares de cDNAs diferentes. Elevando-se a temperatura, o cDNA é desnaturado: as pontes de hidrogênio que mantém as duas fitas unidas são rompidas. Reduzindo novamente a temperatura, o cDNA se reassocia: as moléculas fitas simples se hibridizam com as respectivas fitas simples complementares a elas, voltando a forma dupla fita. A probabilidade de isto acontecer (as duas fitas simples complementares se reassociarem) é proporcional à concentração das mesmas na mistura: quanto maior a concentração, maior a probabilidade de uma fita encontrar a outra complementar na mistura.
Portanto, durante a renaturação do cDNA, as seqüências mais abundantes formam uma fração dupla fita e as menos freqüentes, uma fração fita simples. Esta última é a fração normalizada, onde os diferentes genes estão presentes mais ou menos em igual número. Os métodos de normalização existentes se diferenciam na forma de separação de uma fração da outra. Para não me estender ainda mais, não vou explicar os outros métodos, mas em geral todos possuem muitas etapas, exigem muito tempo e trabalho e não são adequados para a normalização de seqüências de cDNA completas. Como eu sou preguiçosa, procurei um mais fácil! hehehe Na verdade, foi um dos primeiros métodos de normalização sobre o qual li, então, eu dei sorte mesmo :)
O método de normalização em questão se chama “DSN (duplex-specific nuclease) normalization” e foi desenvolvido por um grupo de Moscou, Rússia (Zhulidov et al, 2005). Para isolar a fração normalizada fita simples, eles utilizam uma enzima chamada DSN (purificadas por eles a partir do garanguejo Paralithodes camtschatica). Esta enzima, como o nome já diz, é uma nuclease que cliva especificamente DNA dupla fita (tanto o duplex DNA-DNA quanto DNA-RNA, o que possibilita proceder a normalização já no produto da reação de síntese da primeira fita de cDNA). Como a DSN é termoestável e funciona a 70ºC, é possível utilizá-la para degradar a fração fita dupla na temperatura em que ocorre a renaturação do DNA. A temperatura de 70ºC também tem a vantagem de evitar que hibridizações não específicas ocorram e que transcritos sejam perdidos devido à formação de estruturas secundárias (que também seriam clivadas pela enzima). A fração fita simples remanescente é então amplificada por PCR. Na gelzinho a baixo, é possível observar o resultado da normalização. Na primeira raia do gel, foi aplicado um padrão, na segunda, o cDNA antes da normalização (com bandas nitidamente mais fortes, referentes a genes altamente expressos) e na terceira, o cDNA após o tratamento com a enzima DSN, onde não se observam mais as bandas existentes anteriormente. Muito bonitinho.
Mas, como nem tudo é perfeito, na etapa de amplificação do ss cDNA, há um segundo problema. Em uma mistura complexa de cDNA, com fragmentos de tamanhos muito distintos, os menores fragmentos serão amplificados mais eficientemente que os maiores pela reação em cadeia da polimerase (PCR). Isto significa que a amplificação do cDNA, anterior a sua clonagem em um vetor, resulta na perda das seqüências raras e mais longas, assim como na redução do comprimento médio dos insertos da biblioteca.
Para resolver isso, eles lançaram mão de um método chamado Regulation of Average Length of PCR Product (Regulação do comprimento médio do produto da PCR) desenvolvido por eles anteriormente (Shagin et al 1999). Seguindo-se esta abordagem, o cDNA fita simples é amplificado por PCR utilizando apenas um primer (“single primer PCR”), o mesmo primer funciona como foward e reverse. Como resultado, após um 1 ciclo, a molécula de DNA gerada desta forma contém terminações invertidas e, portanto, complementares (ITRs - inverted terminal repeats) referentes ao primer. No próximo ciclo do PCR, quando as moléculas de cDNA molde forem desnaturadas, as terminações invertidas de uma molécula fita simples tendem a hibridizar uma com a outra, competindo com os primers e inibindo, portanto, a amplificação. Este anelamento entre as terminações da molécula e, portanto, a inibição da amplificação pela polimerase serão maiores nos fragmentos menores, pois nestes, a probabilidade de uma extremidade encontrar a outra é bem maior que em fragmentos maiores, como observado na figura abaixo. Logo, este protocolo permite inibir a amplificação de fragmentos pequenos, favorecendo a amplificação das seqüências completas.

Concluindo, na abordagem proposta por Zhulidov e seus colegas, são combinadas três abordagens para construir uma biblioteca de cDNA normalizada (baixa redundância) e enriquecida com seqüências completas: 1) A tecnologia SMART que otimiza a síntese e amplificação de seqüências completas na reação de síntese da 1ª fita e na sua amplificação (que já usamos no lab e que não expliquei aqui) 2) A normalização do cDNA pela DSN e 3) A regulação do comprimento médio do produto da PCR durante a amplificação da fração normalizada. Pelo que vi até agora, acho que é a melhor forma de se construir uma biblioteca de cDNA normalizada.
No entanto, no curso de ecotoxicogenômica do ECOTOX, os gringos passaram voando por um slide que falava sobre este método e resolvi perguntar depois se era “isso tudo mesmo”. Eles disseram que funciona bem e que não é difícil de fazer, mas que quando se faz um pool das colônias transformantes para amplificação da biblioteca e posterior estoque, a normalização é perdida, pois os clones (de bactéria) crescem em velocidades diferentes e, no final das contas, estarão presentes em proporções diferentes. Se for assim mesmo, isto significa que, após a transformação, seria necessário analisar o maior número de colônias possíveis ou estocar as colônias isoladamente (crescê-las em placas de 96 ou 384 poços, adicionar glicerol e congelá-las).

15 de maio de 2008

X ECOTOX - Bento Gonçalves, RS.

Este mês, eu e a Lia fomos ao X ECOTOX (Congresso Brasileiro de Ecotoxicologia) em Bento Gonçalves, RS. Como missão dada é missão cumprida (ou quase sempre :-), e antes tarde do que nunca, vou fazer aqui um breve relato da nossa viagem e, é claro, do congresso.

30 de abril


Como chegamos em Bento Gonçalves por volta das 23 horas, não participamos da abertura do congresso, mas já aprendemos uma coisa nova chamada “frio”! Pois no RJ, não existe frio de verdade. Aqui, nós temos dias quentes e dias frescos, mas nada que se possa realmente chamar de frio! Por sorte, o hotel tinha um aquecedor que salvou minha vida, pois até ele começar a funcionar, eu estava tendo calafrios e batendo os queixos! Sério mesmo.

O dia também foi proveitoso, pois pude diminuir, talvez em 2%, meu medo de avião, depois de decolar e pousar duas vezes em um dia. Mas a partir de agora vou passar a pensar que vale a pena entrar em um avião, só pela felicidade de depois sair! (ou não :/)


01 de maio


Depois de congelar bem, ops, dormir bem durante a noite, acordei cedinho para o primeiro dia do mini curso de ecotoxicogenômica, que começava as 8 hs, no Dall’Onder Hotel. Eu chequei no google maps a distância do hotel onde nos hospedamos para o Dall’Onder (~2 km). Mas não chequei o relevo: ou as ruas sobem ou descem (vivendo e aprendendo...). E nem previ o vento frio paralizante que fazia às 7 horas da manhã. E nem a freqüência dos ônibus (15-30 minutos de espera). Fui de táxi mesmo. Mas, mais tarde voltamos andando, mas o tempo estava mais agradável, menos frio, sem vento e foi bem tranqüilo.

O mini curso foi bem legal, considerando o tempo disponível para abordar um assunto tão amplo. O curso foi ministrado por dois cientistas dos EUA, David Bencic e Adam Biales, que estudam os efeitos de poluentes disruptores endócrinos em peixes, principalmente, por meio da avaliação da expressão da vitelogenina, já bem caracterizada como biomarcador molecular. Eles são bem simpáticos e se preocuparam em não falar tão rápido, para que todos pudessem entender, embora às vezes disparassem 10 palavras por segundo por causa do pouco tempo, mas deu para entender bem assim mesmo.

Neste primeiro dia, eles optaram por discutir somente técnicas (real time PCR, microarranjos, eletroforese 2D, construção de bibliotecas, etc) e, por sorte, passaram voando pela introdução clássica DNA – RNA – PTN que eu não agüento mais ouvir! (trauma da genética, onde toda disciplina começava assim). Eles ficavam se desculpando o tempo todo por este primeiro dia ser chato, pois a maioria das pessoas não gosta desta parte técnica e dizendo que o segundo dia (aplicações destas técnicas na ecotoxicologia) seria mais legal. Eu particularmente não acho nada disso chato, pelo contrário, I think it’s very cool! E as aplicações são mais legais ainda!

DIGE
Uma técnica que eu não conhecia e que achei bem elegante é um aperfeiçoamento da eletroforese 2D chamado DIGE (Difference Gel Electrophoresis). Em um experimento tradicional, quando se quer comparar as proteínas expressas entre duas condições (controle e a condição experimental estudada), normalmente, são feitos dois géis separadamente: um com o extrato protéico de cada grupo experimental. Depois, compara-se o gel (analisando as imagens com um software) para identificar os spots que apresentam diferenças de intensidade e tamanho entre um gel e o outro e os que estão presentes em um, e ausentes em outro. Através do DIGE, pode-se analisar em um mesmo gel o grupo controle e experimental, eliminando as variações resultantes de diferenças de corrida dos géis independentes. Isso é feito da seguinte forma: o pool de proteínas de cada grupo é marcado com um corante fluorescente que exibe um pico de absorbância específico. São feitos dois controles: controle experimental tradicional (marcado com vermelho) e um padrão interno (contêm uma fração de proteínas de todos os grupos controle e experimentais, marcado com amarelo). Este último tem o objetivo de garantir que todas as proteínas (muito ou pouco expressas) sejam detectadas. O extrato protéico do grupo experimental é marcado com um terceiro corante, azul. Todos estes extratos protéicos, previamente marcados, são analisados em um mesmo gel o qual é analisado por um scanner que detecta as fluorescências emitidas.


A principal vantagem é a redução da variação experimental o que permite uma avaliação quantitativa dos dados com maior valor estatístico. Além disso, tem um software que analisa tudo! Mas ainda é bem caro, cada gel custa $250 (contra $200 de um DNA array) e o custo do scaner é tão mirabolante quando o do microarranjo. Como em um DNA array, pode-se analisar um número bem maior de variáveis, eu ainda prefiro os microarranjos, mas é claro que é preciso considerar os objetivos do estudo antes de escolher qual a melhor abordagem.

Outra coisinha legal que eles falaram e que eu nunca tinha pensado é que é possível se extrair RNA e as proteínas de uma mesma amostra (dá para fazer com trizol) e, então, analisar ambas as moléculas, pois nem sempre um aumento de RNA corresponde a um aumento da proteína correspondente, pois há mecanismos de controle da expressão que atuam impedindo de diversas formas que o RNA seja traduzido.

Sessão de pôsteres
A Lia logo apresentou seu pôster e fomos dar uma volta para olhar os outros trabalhos. Fiquei mais retida aos trabalhos que tinham mais a ver com o dela, mas que afinal de contas também me interessam. Tinham alguns trabalhos com BioMol e tinha um trabalho que usava microrranjo (com alguma espécie de minhoca), mas o autor não estava por lá quando passamos...Mas o que mais tinha eram trabalhos que utilizam COMETA e/ou micronúcleo.

02 de maio de 2008

De manhã, fomos assistir ao workshop de biomarcadores fisiológicos, morfológicos, genéticos e bioquímicos. Eu achei bem interessante, principalmente, os biomarcadores morfológicos. Mas ainda tem muita coisa a ser feita...mas, achei legal saber que já algo sendo feito por aqui na direção de desenvolver estudos que busquem integrar biomarcadores de diferentes níveis e organização biológica para melhor entender (e prever) os efeitos de um determinado poluente no organismo e no ecossistema. Aliás, eu estava pensando em falar sobre isso no seminário do programa de biofísica ambiental que algum dia terei que apresentar, mas não sei se é algo já “batido” (?). Tem um artigo do Dondero bem legal (2006, Aquatic toxicology), mas também vi outras referências mais gerais (revisões, viewpoints, etc).

De tarde fomos comprar casaco em Farroupilha! Depois vi que não saiu tão em conta assim, mas só pelas horas de aquecimento que o casaco me forneceu lá, já valeu cada centavo!

03 de maio de 2008

Último dia do congresso. De manhã: mini curso. Neste dia, eles falaram mais sobre as aplicações de todas aquelas técnicas na área de ecotoxicologia, sempre puxando o peixe pro lado deles (literalmente!). Eles citaram vários trabalhos, mas achei um extremamente louco (e as outras pessoas também): ELA – Experimental Lakes Area. Lagos que receberam doses de ~5 ng/L de EE2. Eu sou antiquada ou introduzir poluentes em um lago, mesmo com o melhor dos objetivos, é insano? Mesmo sendo o menor dos Lagos...se todos os pesquisadores fizerem isso, o que vai sobrar? Eles disseram ser o sacrifício de um lago em nome de muitos outros. Eu quero saber quantos lagos foram recuperados com este estudo...

Entre o almoço e a próxima palestra no Parque dos Ventos, ops, de Eventos, demos uma volta pelo centro da cidade (que é bem bonitinho) e compramos suco de uva para variar! A sessão de pôsteres foi um desânimo só, todos foram só retirar o pôster. A noite, fomos ao jantar de confraternização onde ficamos numa mesa “mercosul” (brasileiras, argentinas, uruguaias...). A Lia me disse que ia ser super animado hehe mas só tocava música gaúcha :-P Tava down até para os meus padrões hehe mas foi legal assim mesmo!

21 de abril de 2008

Bibliotecas de cDNA


A princípio, eu estava pensando em escrever aqui um pouco sobre a construção de bibliotecas de cDNA normalizadas, em particular, sobre uma abordagem de normalização desenvolvida recentemente que achei m-u-i-to elegante (que espero poder usar!).Mas, resolvi que seria melhor começar pelo básico e, assim, colocar todas as idéias em ordem.

Bom, para começo de conversa, o que é e para que serve uma biblioteca de cDNA?

Uma biblioteca de cDNA (ou de expressão) é uma coleção das seqüências expressas em um tecido ou tipo celular de um organismo, em um dado momento. Estas seqüências são representadas pelo pool de cDNA (DNA complementar) obtido através da enzima transcriptase reversa a partir do pool de RNA mensageiro isolado a partir das células ou tecido em questão. Estas seqüências de cDNA são, então, clonadas em um plasmídio ou, menos freqüentemente, também em outros tipos de vetores de clonagem como fagos, cosmids e phagemids. Portanto, uma biblioteca de cDNA é um conjunto de seqüências expressas isoladas em um vetor de clonagem, onde podem ser armazenadas de forma estável e por longos períodos e a partir do qual podem ser prontamente seqüenciadas através de primers universais.
Tipos celulares diferentes expressam genes diferentes, em intensidades diferentes e até um mesmo tipo celular pode apresentar diferentes perfis de expressão gênica ao longo do desenvolvimento e em função de variáveis ambientais. Por exemplo, uma biblioteca de cDNA construída a partir de RNA isolado de um neurônio irá conter um conjunto de seqüências distintas de uma biblioteca construída a partir de RNA de um fibroblasto.

Assim como, uma biblioteca de cDNA do fígado de um camundongo que se alimenta com dieta só de gorduras, não será igual a de um com dieta normal, contendo quantidades adequadas de lipídeos, caboridratos, proteínas...

Portanto, é preciso considerar a partir de qual, ou quais, tecidos ou células se vai construir a biblioteca de expressão, assim como as condições ambientais e estágio do desenvolvimento do organismo estudado. Embora, obviamente, existam genes que são expressos sempre e em todas as células de um organismo, se o objetivo é isolar as seqüências expressas relacionadas a um processo particular que só ocorre em um tecido específico, não há por que utilizar outro tecido como fonte de RNA.
Uma série de processos biológicos pode ser estudada através da análise da expressão gênica. Atualmente, pode-se avaliar quantitativamente os níveis de um RNA mensageiro específico assim como é possível avaliar a sua localização espacial e temporal no organismo, em um tecido ou mesmo em uma única célula. Para a viabilização destes estudos, a seqüência do RNAm de interesse deve ser conhecida e a construção de uma biblioteca de cDNA possibilita a prospecção de seqüências gênicas expressas de interesse através de algumas abordagens de triagem, como por exemplo, o PCR de colônia com primers degenerados (desenhados a partir de domínios conservados no gene de interesse).
No entanto, bibliotecas de cDNA não são construídas somente com o objetivo de isolar uma ou algumas seqüências gênicas relacionados a um processo específico ou para isolar genes que são diferencialmente expressos em função de uma condição de estudo, como no caso das bibliotecas de cDNA subtrativas (sobre as quais não vou falar aqui). O isolamento e sequenciamento, em grande escala, de clones de cDNA a partir de bibliotecas de expressão tem se tornado uma boa alternativa para o sequenciamento do DNA genômico na identificação de novas seqüências gênicas. São necessários menos recursos e a estrutura dos genes é prontamente identificada, ao contrário das seqüências genômicas que em eucariotos são interrompidas por íntrons, sendo necessário lançar mão de ferramentas de bioinformática para tentar prever a estrutura do gene e a seqüência expressa. Além disso, em uma biblioteca de DNA genômico, a maior parte dos clones não contém seqüências gênicas, sendo o isolamento destas, muito mais trabalhoso.
A caracterização em grande escala das seqüências de cDNA abre espaço para uma nova abordagem, a genômica funcional, que busca elucidar a função dos genes em uma escala genômica. Uma das principais abordagens se baseia na avaliação e comparação, em diferentes condições, dos perfis de expressão gênica, ou seja, do transcriptoma – todo o conjunto de RNAm expresso em um organismo, tecido ou célula em um determinado contexto. O estudo de transcriptomas têm sido feito principalmente por meio dos DNA arrays, ou microarranjos de DNA. Através desta tecnologia, é possível monitorar até mesmo a expressão de todos os genes de um organismo, como já foi feito para a levedura S. cerevisiae que teve seus aproximadamente 6000 genes impressos em um chip possibilitando a avaliação das alterações globais no perfil de expressão gênica em função de várias condições, como estresse oxidativo. Mas, o microarranjo de DNA e suas aplicações são assuntos para textos futuros.
Um biblioteca de cDNA de qualidade, que possibilite o isolamento de virtualmente todas as seqüências expressas no objeto de estudo, deve preencher alguns requisitos:
1) Deve ser representativa, ou seja, apresentar pelo menos uma cópia de cada RNA mensageiro expresso no tecido ou célula de onde se isolou o RNAm.
2) Deve conter seqüências completas, para que se possa fazer uma avaliação funcional da biblioteca (através da comparação das seqüências obtidas com outras já descritas depositadas nos principais bancos de dados públicos) e para se ter acesso a toda a seqüência de aminoácidos da proteína codificada.
3) Deve ter o mínimo possível de redundância (muitos clones contendo um mesmo gene), facilitando o isolamento de um maior número de seqüências distintas.
4) Deve ter o maior número possível de clones recombinantes (plasmídios contendo inserto de cDNA).

As pedras no caminho...

Estas são as características da biblioteca de cDNA dos meus sonhos! Mas, não é tão simples assim construir uma biblioteca de cDNA de qualidade. Existem várias pedras no caminho, começando pela instabilidade do RNA, constantemente sujeito a degradação por RNAses, como já falei exaustivamente por aqui, oque dificulta o isolamento de seqüências completas. Além disso, durante a retrotranscrição e amplificação do cDNA pode ocorrer a amplificação incompleta dos fragmentos e o PCR tem a tendência de amplificar seqüências curtas mais eficientemente que as longas, sendo muitas seqüências completas "perdidas" neste processo. A proporção de clones recombinantes depende da eficiência da reação de clonagem, da seleção dos clones recombinantes e de uma série de outros fatores...
Mas, o principal problema, ao meu ver, diz respeito à representatividade e, principalmente, a redundância da biblioteca. Em uma célula eucariótica típica, o RNA mensageiro representa apenas 1-5% da massa de RNA total. O número de cópias de mRNA por gene varia absurdamente. Em geral, existem três classes de nível de expressão: 1) 5-10 genes housekeeping que são altamente expressos e representam até 20% do total de RNA mensageiro; 2) 500-2000 genes que têm um nível de expressão intermediário e representam 40-60% do total de mRNA da célula; 3)10000-20000 genes que são expressos moderadamente e representam 20-40% do total de mRNA da célula.
Logo, a maior parte dos genes são expressos em níveis moderados (até apenas 1 molécula de RNAm por célula!). Isto significa que uma biblioteca de cDNA construída a partir de um pool de RNAm típico de células eucarióticas deveria apresentar uma elevada redundância (alguns poucos genes presentes em alta freqüência) e baixa representatividade. Para se ter noção das implicações disso, para se isolar um clone cuja freqüência seja 1:10000 seria necessário seqüenciar até 100000 clones! Haja dinheiro, tempo, disposição, extensão do prazo de conclusão da dissertação, etc...
Isto não é um problema se o seu objetivo é isolar o cDNA de uma actina, por exemplo, que certamente se encaixa na primeira classe de genes. Mas é um grande problema para quem quer isolar e seqüenciar um grande número de cDNA diferentes, inclusive os de expressão intermediária e baixa, para disponibilizar as seqüências expressas em organismos cujos genomas são praticamente desconhecidos.
Este era o ponto onde queria chegar para começar a falar da abordagem de normalização de cDNA que comentei no início do texto, que na verdade é uma combinação de técnicas que visam a construção de uma biblioteca de cDNA com seqüências completas, representativa e de baixa redundância. Ou seja, que chuta todas estas pedras no caminho para bem longe! Ao menos, assim espero! No próximo post, escreverei sobre isso. Arrivederci!

11 de abril de 2008

Em que devemos nos focar?


O grupo que publicou o trabalho com os roedores Ctenomys, sobre o qual falei no no último post, estava inicialmente desenvolvendo um estudo sobre a possível transcrição de uma região de DNA satélite destes animais. No meio do caminho, eles esbarraram com o padrão anormal de rRNA nos géis desnaturantes. Embora não fosse o objetivo inicial, eles investiram nisso e publicaram este trabalho legal na EMBO Journal! Embora eu ache esta revista muito boa, não estou valorizando o artigo só por que foi publicado nela, o trabalho é bem completinho mesmo e relevante, pois descreve pela primeira vez a ocorrência de uma hidden break em uma espécie de vertebrado.

Então, respondendo a questão que a Lia levantou no blog dela, eu acho que temos que ter foco, sim, mas devemos ajustá-lo para não perder a visão periférica! Por mais que a maioria das descobertas e dos trabalhos não tenham se originado por caminhos como estes, coisas interessantes sempre podem surgir de onde menos esperamos ou de onde não estávamos procurando...



"A mente que se abre a uma nova idéia, jamais voltará ao seu tamanho original"
Albert Einstein

Obs.:
Lia: tô te copiando, citando frases de impacto! :-)

10 de abril de 2008

Para onde vai o rRNA 28S dos bivalves?



Quando comecei a extrair RNA das espécies com que trabalho (moluscos bivalves), eu analisava as amostras por eletroforese em gel de agarose não desnaturante. Ás vezes, eu via duas bandas, outras, apenas uma. O curioso é que quando apareciam duas bandas, a menor sempre era bem mais intensa que a banda maior! E quanto menos intensa era banda maior, mais intensa era a menor. Ou seja, o contrário do que deveria ser uma amostra de boa de qualidade...
Bom, meu RNA deveria estar bem degradado, não é? Na verdade, não. Pois se a banda maior tivesse simplesmente degradado, deveria se formar um rastro ou bandas menores. Mas, nem uma, nem outra coisa ocorria. Apenas a banda menor aumentava de intensidade.
Quando passei a fazer o gel em condições desnaturantes, comecei a ver sempre apenas uma banda! “Perdi a mão de vez!”, pensei. Mas, novamente: uma banda apenas, sem rastros, nem nada, sem indícios de degradação! Foi quando o Mauro comentou que algo parecido acontecia com algum protozoário e sugeriu que eu pesquisasse melhor sobre isso e eu, por livre e espontânea pressão (brincadeira!), fiz algumas buscas no pubmed, meio ainda sem saber o que procurar.
Eu admito que tinha um certo preconceito com artigos velhos. O que vai ter num artigo da década de 60 que não tem numa revisão mais recente? E as figuras feias? Xerox mal scaneada? E os métodos que ninguém mais usa? Mas eu estava totalmente errada! Por mais “feios” que sejam, eles descrevem os princípios das coisas que ninguém mais, por motivos diversos, se dá ao trabalho de descrever , mas que fazem toda diferença, como o que eu estava tentando saber.

Tanto que o primeiro (e segundo, e o terceiro...) artigo relevante que eu li é bem antigo (Venkov & Hadjiolov, 1969) e falava sobre a instabilidade do RNA 28S em relação ao 18S de fígado de rato. Eles mostraram que em várias condições (de temperatura e força iônica), o RNA 28S se fragmentava em pedaços menores enquanto o 18S continuava íntegro. E, por fim, levantavam a possibilidade de isso ocorrer devido à presença de alguma hidden break, mas não explicavam bem o que era isso.
Quando li um segundo artigo, sobre o mecanismo de inserção de uma hidden break no RNA 28S de insetos (Fujiwara & Ishikawa, 1986), consegui finalmente não só entender o que é isso como ter certeza que só poderia ser esta a explicação para o que vínhamos observando no RNA dos bivalves!

O rRNA 28S dos insetos possui uma seqüência específica que funciona como um sinal para a introdução de uma hidden break, literalmente, uma quebra na cadeia de RNA. Através de um mecanismo de processamento (splicing), esta seqüência é excisada, gerando dois fragmentos de tamanhos bem próximos, uma vez que a seqüência sinal está posicionada quase que no meio da molécula. Portanto, o rRNA 28S destes organismos não é uma molécula contínua, mas in vivo, os dois fragmentos permanecem "unidos" por meio de estruturas secundárias. O RNA, por ser fita simples, tem o potencial de formar estruturas secundárias por pareamento de bases de grande complexidade, como as formadas pelos RNA ribossomais.

Após a extração do RNA, qualquer coisa que perturbe estas estruturas secundárias irá resultar na separação dos dois fragmentos. E estes, além de terem tamanhos quase idênticos, são também praticamente do mesmo tamanho do rRNA 18S!

E Isso explica perfeitamente as observações do RNA ribossomal dos moluscos bivalves:
  • Em gel não desnaturante, é possível visualizar duas bandas, pois os dois fragmentos da subunidade maior, permanecem unidos. No entanto, a estabilidade deste complexo pode não ser tão grande e, eventualmente, os fragmentos podem se dissociar mesmo em condições nativas e, neste caso, apenas uma banda é detectada, pois os dois fragmentos apresentam o mesmo padrão de migração do rRNA 18S. Mas, também pode ocorrer dissociação de apenas parte dos rRNA 28S, resultando na visualização de duas bandas, sendo a de menor tamanho mais intensa (por conter o rRNA 18S e os fragmentos do 28S).
E o nome hidden break se deve ao fato de, em geral, esta quebra não ser perceptível em condições não desnaturantes.
  • Já em um gel desnaturante, as moléculas de RNA são totalmente linearizadas, ou seja, todas as estruturas secundárias são desfeitas e se observa apenas uma banda, que contém os dois fragmentos da subunidade maior e o rRNA 18S.
Mas nem sempre, os fragmentos resultantes da hidden break são do mesmo tamanho. Em algumas espécies, são gerados fragmentos de tamanhos distintos.

A princípio, achava-se que as hidden breaks estivessem restritas a alguns grupos de protostomados (inclusive, algumas espécies de moluscos), mas, recentemente, foi descrita a ocorrência destas quebras no rRNA 28S de roedores do gênero Ctenomys (Melen et al, 1999) em um trabalho bonitinho publicado no EMBO Journal, mas que ainda não terminei der ler. Interessantemente, em quatro espécies deste grupo, a hidden break é expressa em todos os tecidos, menos nos testículos, onde um mecanismo de splicing retira o íntron que contém a seqüência sinal para a hidden break. Este é um forte indício de que a ocorrência destas quebras tenha alguma relevância biológica, o que vai de encontro com a idéia até então prevalecente de que tais quebras sejam toleradas por terem pouco efeito na estrutura do ribossomo.
Por isso, estava pensando em extrair o RNA total de todos os tecidos possíveis, de uma das espécies ao menos, e analisá-los em em condições desnaturantes, para ver se, quem sabe, há algum padrão de expressão tecido-específico destas quebras, nos moluscos também. Embora, isso não seja suficiente para demonstrar a existência de um padrão de expressão, mas poderia fornecer um indício. Outra coisa sobre a qual pensar é em como demonstrar a existência e a localização das hidden breaks, o que acho ser importante para avaliarmos a sua influência nas reações de retrotranscrição.
Mas a pergunta que não quer calar é: por que, numa molécula enorme, esta quebra tinha que ser justamente no meio dela e dar origem a fragmentos do mesmo tamanho que o 18S? Só pode ser para nos fazer quebrar a cabeça! :-)

6 de abril de 2008

Influência do pH na dosagem de ácidos nucléicos



A absorbância do RNA a 260 nm independe do pH da solução onde ele está dissolvido. Mas o mesmo não é verdade para alguns contaminantes que possivelmente podem estar presentes na solução de RNA!

Logo, embora a abs. a 260 nm permaneça a mesma, as leituras a 280 nm e 230 nm variam de acordo com o pH do meio. Por isso, analisando uma amostra de RNA em água ou soluções de pH relativamente ácido, pode-se obter razões 260/230 e 260/280 abaixo do normal sem que realmente haja tais contaminantes na amostra. O ideal é dosar o RNA em uma solução de pH levemente alcalino (7.5-8.5), como em tampão TE (pH 8.0).


Um exemplo prático


Já foram muitas as tentativas de extrair RNA da hemolinfa, quase sempre a partir da hemolinfa de apenas uma ostra e o resultado era sempre o mesmo: pouquíssimo RNA (praticamente nada) de baixíssima qualidade. No último experimento, resolvi fazer algumas modificações no protocolo:

1) Partir de um pool de hemolinfa de 4 ostras (aproximadamente, 9 mL) – onde foi muito importante a ajuda da Lia, que tira hemolinfa como ninguém (grazie! ou melhor, merci!).

2) Na etapa de precipitação:

- Além de isopropanol, adicionei 1/10 do volume de amostra de acetato de sódio (3 M), o que diminui ainda mais a solubilidade do RNA no álcool, aumentando a sua precipitação.

- Também adicionei 10 ug de glicogênio - um coprecipitante de ácidos nucléicos. O glicogênio não aumenta a precipitação do RNA, mas como ele também precipita nas mesmas condições, forma um pellet visível, o que facilita a manipulação da amostra (não sugar o RNA quando for retirar o sobrenadante!).

- Aumentei o tempo de incubação a -20ºC e da centrifugação (mas não a velocidade).


Como resultado, a quantidade de RNA obtido foi bem maior (~10 ug)! Mas as razões 260/230 e 260/280, embora tenham melhorado, ainda estavam longe do ideal.

Então, resolvi repetir a dosagem diluindo (10X) uma alíquota da amostra em tampão TE (pH 8.0) usando, obviamente, este tampão como branco. E, não é que ambas as razões e a curva do gráfico ficaram perfeitas ?!? Por isso que eu sempre digo, não há nada que o oráculo não saiba responder, basta saber perguntar!

Analisei a amostra (desnaturada em 60% de formamida, por 5 minutos a 65ºC) por eletroforese em gel de agarose 1.2% (em TAE 1X) e esta aí a imagem ao lado para comprovar.

No próximo post, eu explico o porquê de apenas uma banda, quando, comumente, se espera visualizar duas: uma da subunidade ribossomal maior e outra da menor. E não é por causa de degradação!

23 de março de 2008

RNA quality control


Mas o que é um RNA de qualidade? Em primeiro lugar, como ficou evidente no último post, um bom RNA deve estar íntegro (as moléculas não devem estar fragmentadas). Além disso, o RNA deve estar puro, ou seja, livre de contaminantes como sais, etanol, lipídeos, polissacarídeos, proteínas, fenol, clorofórmio e outras substâncias que podem estar presentes nas soluções utilizadas na sua extração ou no tecido de origem. Isto é especialmente importante no caso em que o RNA será utilizado em reações enzimáticas, uma vez que estas exigem condições químicas específicas, além de serem suscetíveis a inibição por uma série de compostos.





Para avaliar a pureza de uma amostra de RNA, assim como para quantificá-lo, a opção é obter o espectro de absorbância da amostra utilizando um espectrofotômetro. Nos aparelhos tradicionais, a amostra é colocada em uma cubeta, o que exige um volume considerável de amostra, mesmo estas sendo diluídas. Com um espectrofotômetro mais moderno, como o Nanodrop (não estou fazendo propaganda), é necessário utilizar apenas 1 ul de amostra para se obter um espectro completo, preciso e quase sempre sem que seja necessário diluir a amostra, além de detectar concentrações de RNA ínfimas como 2 ng/ul. Em 10 segundos, você tem na tela um gráfico mostrando o espectro (220-750 nm) além de outras informações como concentração de RNA, razões 260/280, 260/230, etc.




O pico de absorbância do RNA é a 260 nm (Uma leitura a 260nm igual a 1.0 equivale a 40 ug RNA/ml). Uma amostra de RNA deve exibir uma curva em formato de sino, com um único pico em 260 nm. Proteínas apresentam um pico de absorbância a 280 nm e outros contaminantes (como sais, polissacarídeos e compostos orgânicos como fenol) apresentam pico de absorbância em torno de 230 nm. Por isso, a razão das abs. 260/280nm é freqüentemente utilizada para avaliar a contaminação por proteínas, sendo o valor de referência (amostra livre de proteínas) igual a 2.0 (o que varia um pouco na literatura). E a razão das abs. 260/230nm é utilizada para avaliar a contaminação por outros compostos (valor de referência também em torno de 2.0 – e também não é consenso). Logo, seu RNA está OK se a curva obtida for parecida com a vermelha no gráfico abaixo.



Para avaliar a integridade do RNA é possível utilizar, principalmente, três abordagens:


1) Submeter o RNA a eletroforese em gel de agarose em condições desnaturantes (existem diferentes protocolos disponíveis);


2) Realizar northern blot para algum gene housekeeping altamente expresso (como por exemplo, actina), embora esta técnica não seja mais muito usada como meio de avaliação da expressão gênica, ainda pode ser útil neste contexto;


3) Analizar o RNA através de um bioanalyzer (sistema de eletroforese em capilares).




Através de um gel de agarose desnaturante, é possível deduzir a integridade do RNA através da visualização das bandas de RNA ribossomal. A presença de rastro abaixo das bandas de rRNA indicam degradação e, acima delas, pode indicar contaminação por DNA genômico (o que pode comprometer resultados futuros). Portanto, um RNA legal deve apresentar bandas bem definidas e sem rastros (como na foto por trás do título do blog :-). Além disso, a banda referente ao rRNA 28S deve apresentar o dobro da intensidade da banda do rRNA 18S. Este parâmetro tenho sido bem utilizado (através do cálculo da razão entre as intensidades das bandas 28S/18S que deve ser igual a 2.0, mas este valor pode variar entre diferentes espécies e tecidos). No entanto, esta técnica exige uma quantidade considerável de RNA (pelo menos, 1 ug, o que pode ser limitante para alguns), além de somente detectar um grau considerável de degradação (suficiente para exibir um rastro no gel e alterar a razão 28S/18S calculada a partir da análise da imagem dele) e demandar mais tempo e trabalho.


Por fim, o bioanalyzer tem sido considerada a melhor opção, mas ainda não é um equipamento comum nos laboratórios. Exige pequenas quantidades de RNA (até 200 pg de RNA total!) e utiliza um corante fluorescente que permite avaliar tanto a integridade quanto a concentração de RNA na amostra. O princípio é o mesmo de uma eletroforese em gel de agarose, mas a corrida é feita em um capilar contendo o polímero e é gerado um eletroferograma (a direita do gráfico abaixo) o qual é analisado automaticamente pelo aparelho que detecta qualquer traço de degradação. O resultado é exibido na forma de um gráfico, como o abaixo, através do qual é possível calcular a razão 28S/18S com maior precisão a partir dos respectivos picos. Além disso, existem softwares que utilizam um algoritmo para analisar os resultados obtidos e atribuir à amostra uma pontuação (RIN – RNA Integrity Number) que varia de 1 a 10. Coisa de primeiro mundo!

O que eu escrevi aqui é pouquíssimo perto da quantidade de informação disponível sobre o assunto, para saber mais acesse os links abaixo. Em qualquer site de busca em periódicos (pubmed, science direct, web of knowledge, etc) é possível encontrar bons artigos sobre o assunto.
No próximo post, eu pretendo falar sobre como tenho avaliado a qualidade das amostras de RNA total que tenho extraído, dos resultados obtidos e de algumas modificações que fiz no protocolo de extração para melhorar a qualidade das amostras.
Links relacionados:

21 de março de 2008

O pesadelo das RNAses!


Em muitos estudos que lançam mão de técnicas moleculares, o primeiro passo para se ter resultados confiáveis é obter um RNA de boa qualidade, principalmente quando o objetivo é avaliar quantitativamente a expressão gênica através de técnicas como real time-PCR e microarrays. Por enquanto, não vou fazer uma coisa, nem outra. Mas também preciso de RNAs de excelente qualidade para construir bibliotecas gênicas (de cDNA) que contenham o máximo possível de diferentes seqüências gênicas completas.


Antes de discutir o que seria uma amostra de RNA "de qualidade" devo apontar a principal culpada pela sua degradação: as RNAses (ribonucleases). Como o nome sugere, estas enzimas catalisam a hidrólise de moléculas de RNA, ou seja, as cortam em mil pedacinhos, e fazem com que uma amostra de RNA seja bem instável em um ambiente desprotegido. O problema é que as RNAses são praticamente onipresentes e estão presentes principalmente em nós mesmos: a nossa pele, cabelos, unhas, saliva, etc. Por isso, ao manipular não só as amostras de RNA, mas tudo o que for entrar em contato com elas, deve se ter uma série de cuidados (leia-se: paranóia).


Obviamente, o primeiro destes cuidados é sempre usar luvas. Além disso, todos os materiais utilizados devem ser tratados com o objetivo de remover ou inativar estas enzimas (devem ser RNAse free). O que é outro problema, pois elas apresentam uma grande capacidade de renaturação, sendo bastante resistentes tanto à temperatura e pressão elevadas como à desnaturação química. Logo, além de onipresentes, são de difícil inativação. Existem algumas soluções comerciais para isso e os materiais plásticos (ponteiras, tubos, etc) podem ser comprados já livres de RNAses (RNAse-free certified - o que é bem garantido).

O procedimento mais comum, no entanto, é a utilização de um inibidor de RNAses como, por exemplo, o DEPC (Diethylpyrocarbonate). Este composto pode ser usado para tratar soluções (exceto as que contenham Tris) e também vidraria e materiais plásticos. Basta adicioná-lo numa concentração de 0.5-1% ou, no caso de vidrarias e plásticos, deixá-los de molho em uma solução de igual concentração por 18 horas, autoclavando todo o material em seguida (inclusive as soluções), o que converte o composto a etanol e CO2. No entanto, há algumas desvantagens como o preço (bem carinho) e o fato de ser uma substância tóxica (logo, deve-se ter cuidado durante sua manipulação enquanto não for inativado). Além disso, há quem questione sua eficácia. Outra coisa é que as soluções tratadas com DEPC, após autoclavadas, ficam com um cheiro engraçado de fruta meio estragada! O que não é uma desvantagem, só uma curiosidade...


Durante uma disciplina da graduação, um professor disse que esta paranóia toda é desnecessária e que, no laboratório dele, nada é tratado com DEPC. Para evitar a ação das RNAses basta proceder todas as etapas da extração (principalmente a lise celular) em nitrogênio líquido, pois a enzima não funciona numa temperatura tão baixa. Verdade. Mas também não é nem um pouco prático ter que manter as amostras em nitrogênio líquido o tempo todo, sem contar em todas as vezes em que você for manipular as amostras, no futuro.

Resumindo, quem tem que extrair RNA frequentemente acaba desenvolvendo uma paranóia quase patológica, limpando a bancada exaustivamente, não deixando ninguém encostar em nada sem luvas, abrindo as soluções sempre dentro do fluxo, etc. Mas se eu conseguir bons RNAs, vai ter valido a pena!